A Democracia, no seu estado mais puro, parte de um simples pressuposto, o voto livre e nominal que decide a vontade da maioria em detrimento da menor parte. Em razão de exclusão, é ela a vontade do pequeno Ditador que vive dentro de nós e decide, assim, o destino que a nós melhor satisfaz.
Fora a retórica elucidativa que faço para exprimir essa ideia, a verdade consequente não está longe da verdade do facto. Mais a mais nos dias que correm em que a maioria das pessoas vive presa no seu umbigo, essa parece ser a realidade objectiva que rege não a falência da Democracia mas antes o seu acto falho.

O paralelo deste acto falho pode se estabelecer comparando a arte clássica com a contemporânea.
Se já antes escrevi um ensaio sobre o Sentido da Estética, onde se versava a evolução Humana na apropriação do espaço e consideração temporal pelas marcas do seu passado, agora deixo esta provocação sobre como a capacidade analítica pela superação, nesse mínimo denominador comum, está estagnada em algo que apenas nos reduz a uma cópia de ocorrência e provocação.

O Professor Universitário e artista Robert Florczak lança essa tese do porquê a arte contemporânea entrou no declínio actual face à clássica dos milénios anteriores. Se antes se indagava um rumo e busca de superação, agora meramente se alça ao vazio um grito sem som à espera desse eco inexiste.
Nas suas palavras “Se Michelangelo esculpiu David de uma ‘rocha’ (sic), agora expõe-se uma rocha como sendo arte.”

E aqui entra a honestidade intelectual de cada um. Se por um lado a arte tem esse cariz estético que envolve a ética, nela está inerente também o gosto de cada um tornando-a subjectiva numa Sociedade de iguais.
E aqui retomo à Democracia.

Michelangelo

Recentemente surgiu a notável notícia de que o Chef Vitor Sobral vai processar um cliente após receber uma crítica sua na aplicação Zomato. Quem sabe eu seja suspeito por ter colaborado com a Zomato enquanto trabalhei na Le Cool Lisboa e ter sido um dos redatores que mais textos escreveu na aplicação com as ditas críticas gastronómicas a diversos Restaurantes, mas ainda assim, e porque apenas fui cliente e nunca Chef ou cozinheiro – nem nas horas livres – de nada que não da minha vida, acho que qualquer opinião formada não influi em nenhuma decisão acerca de qualquer desfecho final da história.

Victor Sobral é a mais recente vitima daquilo que o próprio define – ou responde – como ‘a ditadura do cliente’, onde a quem paga tudo se deve, e a quem recebe tudo deve ser feito por entregar perfeito, sem questões ou direitos de resposta que não sejam um obrigado com pedido de desculpas. É o processo jurídico – sobretudo aqui com intenções comerciais – demasiado? Sim, sobretudo porque não é a seriedade profissional do individuo que é colocada em causa, antes um acto isolado que correu mal.
Na prática ao ter dois indivíduos que, enquanto um empola uma história para fazer uma crítica vil e o outro se aproveita da mesma para comercializar o seu franchise, alimentam uma meia mentira para contar uma meia verdade, cria-se um falso atrito que se diluiria entre uma percentagem de críticas que acabaria por desaparecer na espuma dos dias.

Se não fosse trágico seria real e como tal, passaria pelo crivo do triplo filtro Socrático: o verdadeiro, o bom e o útil.
Há que se dizer a verdade, ela ser boa (bondosa) e ter utilidade. Caso contrário entramos no filtro de Sócrates: a semântica criativa.

Nas escutas de Sócrates – o político – que todos dizemos nunca ter ouvido mas todos já escutamos, há aquela famosa explicação que logra transformar uma ordem directa em dócil pedido como se a subjectividade da língua fosse um mero erro covfefe ortográfico

Às tantas quando o amigo Santos Silva – que lhe está a emprestar o apartamento em Paris – lhe pergunta “Que lhe digo (ao empreiteiro)?” sobre a alteração da cor que Sócrates havia escolhido, este responde “Está bem, então que faça. Mas que faça rápido!”, mas quando o Super Juiz lhe pergunta se isso não indiciava propriedade, a justificação deixa qualquer um perplexo:
“Não, não pode. O que me é pedido é a minha concordância para uma alteração de uma sugestão que eu próprio tinha dado.
Há muitas pessoas que, por gentileza, referem o verbo poder em vez de dever. (…) Quando o Eng. Santos Silva me pergunta se pode alterar, no fundo, o que ele está a perguntar é se deve alterar.”

E o poder de se dever é mesmo esse tal covfefe, pois se a esperança é a última a morrer – como diz o ditado popular – esta pragmática forma de interpretação teve utilidade na América de Trump.
Donald não pediu ao ex-Director do FBI que deixasse a investigação a Michael Flynn cair, apenas esperou que a mesma não continuasse. E se a palavra hope (esperança), como utilizada nas notas que James Comey transcreveu das conversas com Trump, tem essa ambiguidade, a verdade é que esperar e ter esperança (mesma inflexão linguística em português e inglês) são dois factores distintos.

Mas quem espera há de sempre alcançar e a Democracia é isso mesmo, aguardar a correcção da maioria qualificada face ao mínimo denominador comum. Chato é que entre essa esperança de se esperar, um poder de se dever, existem sempre aqueles que não compreendem que a maioria qualificada de hoje é o mínimo denominador comum e a arte é só e apenas contemporânea.
Chefes de Culinária Gourmet wannabee e Rochas de David’s por esculpir…

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