A ressonância da verdade é algo que não se explica mas faz parte do ser.
Hoje escuta-se muito falar nesse argumento (quase) jurídico como se a verdade tivesse que ressoar em algo que não fosse esse reflexo de nós mesmos num espelho.
Que diria Narciso se o seu mais contemplativo reflexo não tivesse sido um lago que o engolisse? Se fosse, como acontece hoje, um espelho que nos atraiçoa e revela a verdade que cada um esconde?
Quando escrevi o meu texto sobre “descobrir que se está doente nunca é fácil”, nunca sequer pensei em vir um dia publicá-lo. Fi-lo porque nesse dia, a 6 de Dezembro de 2014, iniciei um processo de luto e luta pessoal pela minha sobrevivência enquanto ser que se vê reflectido no espelho e é capaz de não se afogar no mesmo.
Se o coro de vozes que se ergueu, como um núcleo protector inimaginável numa Sociedade onde Campos de Concentração se abrem para homossexuais ou o preconceito se parece arraigar cada vez mais numa Sociedade de extremos, mostrou-me que fazê-lo, publicando a data em que soube estar infectado com esse vírus tão passageiro como mortal, atinge agora este novo marco contemplando a data em que revelei a todos o meu estado de saúde, fazendo-me ver como esse processo de luto havia ali terminado.
Por momentos, e esse foi o fantasma que por mais tempo me habitou, vivi confuso com esse olhar que me observava no espelho, preso na minha retina, de um chavão feito clichê – redundante mas verdadeiro – sobre eu ser uma espécie de desejo contemplativo e realizado. Ali estava eu, homossexual e seropositivo. A tragicomédia dos anos ’80, produto final e acabado, só e apenas três décadas depois.
Mas foi isso o que me salvou.
Foi esse intervalo de 11,452 dias entre o – suposto – paciente zero ter sido diagnosticado com o Sarcoma de Kaposi e eu ter descoberto que havia contraído o vírus.
Essa chance da medicina ter chegado ao ponto de actualmente, após um ano de eu estar a tomar o famoso cocktail, ter a carga viral negativa e levar uma vida completamente normal.
Hoje chego aos 34 anos tendo atravessado a mítica projecção Católica da idade de Cristo. Revejo-me num Ateísmo Agnóstico rumo a uma Fé pessoal. Os 33 nada mais foram que um número, mas olhando para a minha vida, que número…
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