Ainda não me decidi bem por onde começar este texto. Sim, um texto, mais íntimo e pessoal, não uma crónica, embora seja sobre a vida, este dia-a-dia que me trouxe até aqui.
Enquanto escrevo apenas me lembro da versão letrada da música do filme ‘Tempos Modernos’ de Charlie Chaplin. Desse ‘Smile’ embora te doa o coração na esperança de um tempo melhor.
Ecoa em mim esta necessidade tão frívola de estar sempre a sorrir mesmo quando me dói o coração, faça disso encenação e viver num mundo que passe adiante uma falsa imagem de que tudo está bem quando não está.

Não sei se me decidi por onde começar, mas a verdade é que o meu equilíbrio pessoal anda abalado.
Para quem assiste de fora dirá que tudo se mantem num sustento inabalável e que os dias correm bem. São amigos e relações onde nada são inimizades ou ralações.
Na verdade tem sido um namoro terminado por mensagem e a perda emocional de quem me criou para se reformar longe de mim ao fim de 34 anos.

Se de um lado é a irrelevância que apenas sustenta o quanto a Sociedade do descartável é real, do outro o quanto o impacto da foto que publiquei (justo após deixar esta minha segunda Mãe no aeroporto para vê-la seguir a sua vida) onde não me escondo de trás de um sorriso. Choro porque tenho de chorar.
E a verdade é que tenho tido vontade de chorar.

sorri.jpg

Nem tudo tem sido chegar a um extremo de lágrimas, é verdade.
Profissionalmente logrei o que muitos considerariam impossível dada a minha irreverência e forma de ser, tornando-me co-responsável pela equipa onde me estabeleci, dando esse apoio laboral, na garantia emocional de que tudo se compõe sem falhas.
E se nessa minha ânsia de entrega dou tudo, há dias em que o corpo é que paga pela cabeça não ter juízo.

Ontem assim foi, e ao fim de mais de ano e meio sem uma única falta, faltei por não conseguir sorrir, por não conseguir lidar com a pressão de estar a ser esse eu da expectativa.
De me estar a levar a um extremo de entrega onde o dia de 24 horas nunca chega e eu quero dar sempre mais de mim.
De não me sentir capaz.

Não sei se tenho uma solução rápida para um problema mais extenso, reflexo profundo de vida, mas de novo esses tempos modernos voltam a uma realidade antiga.
Não, não é esse constatar que o HIV me fez ter frente a um espelho adulto, antes o reflexo adolescente, perto dos 12 anos, quando me apercebi que não viva o sonho da família perfeita, tornada ela na realidade comum, eu o adolescente que crescia.
Nesse dia, ao me despertar, tomar banho, vestir e ao pentear, nesse gesto repetido à infinidade, decidi, não tens que sorrir, podes ter outro sentimento que não a auto satisfação de quem te olhe e creia na tua sempre certeza. Erra, podes errar, mas erra com a certeza da consequência.
E aqui estou, consequente, capaz de chorar.

Porque um dia não são dias, são uma vida.

4 Comments

  1. No dia em que as pessoas perceberem que a vontade de chorar é a Vida a convidar-nos para viver realmente, deixaremos de olhar para esse ato como algo que temos de manter à distância. E sim, as perdas fazem parte desse processo! A Vida é maior do que nós e, por isso mesmo, é algo que vale tanto a pena! ^_^
    Parabéns pela coragem de exposição neste texto!

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  2. Pingback: Fado – a farpa

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