É tudo tão visto, revisto e posto em prática que me sinto atrito de algo, de um não saber já tendo por ele feito sem o saber fazer que me aborrece o neo/novo/renovado rótulo que tudo toma.
O imediatismo da melhora não é essa exclamação que me induzi ao escrever o meu anterior texto. Nem deve ou pode.
Vivemos numa Sociedade tão digital e acrílica onde os painéis de vidro em que tocamos e guardamos informação são esse bem maior de luxo que queremos ter.
São as tais selfies egoístas de solidão e sorriso induzido com filtro de perfeição aplicado.
Já não há cândidos, espontâneos, tudo é relativizado a ser presente feito, montado e estabelecido com intuito, momento de captura para mostrar ao seguinte.
Ainda assim, e antes de transcorrer choros, selfies e amores, deixo essa mensagem, resposta estímulo, que me fez escrever a crónica de hoje.
Entre os amigos, alguns apenas digitais, alguém especial me disse:
“E…. és a primeira pessoa que vejo colocar uma foto assim…
Sim, não somos só sorrisos. Foto fabulosa. Como tu. Respect!”
Agradeço o respeito, mas surpreende-me que nunca se veja a emoção do real.
Entrar numa qualquer rede social é ler essa acutilante realidade onde uma foto da minha tristeza foi pedrada num charco de faces risonhas em fundos de incrível amizade e companheirismo onde nunca nada falha e a perfeição da vida é uma constante.
Uma simples procura num motor de busca por ‘people crying’ – pessoas a chorar – numa abrangência linguística, mostra bem em como tudo nesse ramo é encenado. E mesmo se lhe acrescento um ‘real’, como se nisso viesse uma realidade, a verdade é que o acto de nos fotografarmos em momentos de dor, como se nisso ficasse retido o sentimento para a posteridade, é algo que não existe.
Parece que para o Ocidente para se encontrar com a diferença do sorriso no binómio dos seus sentimentos, precisa de encená-lo ou buscar justificação.
Maud Fernhout, uma Holandesa de 21 anos propôs mostrar justo isso, o quebrar do preconceito enraizado sobre o choro masculino, a selfie e a apresentação que lhe damos.
A série intitulada “What ‘Real’ Men Cry Like” mostra 18 Homens lacrimejantes, de choro presente, um sentimento sem razão ou causa, mas justificação para o acto ser ele masculino também.
Vejo-o como um ensaio vazio por ser nele ausente a emoção que não passa. A dor, a angústia, o paralelo de tudo o que a Sociedade do sorriso domesticado nos ensinou a ser. Quem sabe não o veja como ‘real’ porque na verdade não é real, é uma ficção sobre o tema para nele desconstruir um taboo que se constrói sobre esse medir de forças sociais.
E aqui regresso aos rótulos que nos assistem e às fotos que decidimos sempre mostrar nessa sã presença de quem somos, experienciando o momento que vivemos.
Parece que queremos sempre nos amar e fazer amar nesse embalo de ternura justificativa de um amor perfeito como se nada não fosse só a perfeição, filtro de aplicações que apagam rugas e tornam as sobras menos pronunciadas.
Já não é a busca pelos ‘likes’ online senão deles fora da rede, como se no mundo Social do ‘aqui fora’ essa fosse também a postura e presença a assumir.
As relações são as tais ralações e os sentimentos são uma espécie de sempre-em-pé de boxeur.
Eduardo Sá, psicanalista, descreve-o da melhor forma na sua entrevista ao Observador; “Divórcios a suaves prestações e solidões assistidas”; contabilizando esse reduto que nos assiste e constrange pela viralidade absoluta que toma.
“Uma coisa é sermos tão preciosistas que nunca estamos satisfeitos com ninguém, outra é termos uma convicção e uma aprendizagem que se torna em sabedoria — muitas vezes por ensaio e erro, claro –, ao tentarmos de todas as formas aproximarmo-nos de alguém que represente no essencial aquilo que achamos importante.”
Evidente que ele fala do seu novo livro ‘quem nunca morreu de amor’, mas afinal como pode uma Sociedade que vive obcecada consigo mesma amar quando até para chorar precisa de se justificar?
Pode, mas não deveria, porque no momento em que controlarmos o sentimento que nos tem, ai vivemos só e apenas atrás desse ecrã de vidro para os outros acreditarem que somos só e apenas felizes.
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Num repente lembrei, ao fechar o texto, de uma curta cena dessa mítica série da HBO ‘Six Feet Under’ – Sete Palmo de Terra – em que, logo no episódio piloto, quando o personagem Nathaniel perde o seu Pai, ao ver a encenação da dor que a casa funerária onde vivem e trabalham produz, se recorda de uma viagem ao largo da costa Siciliana. Ali viu a Família de um defunto, as mulheres da sua vida, em pranto e agonia, vivenciando os seus sentimento, choro e dor sem a preocupação da selfie acessória.
Uma visão cinematográfica, evidente, mas pungente da Sociedade do auto-controle.