Aviso, este não é um texto sobre Donald Trump, mas podia.
Recentemente vi o filme ‘Little Children’, Pecados Íntimos, de 2006, onde o sub tema do agressor sexual se faz presente na forma como a Justiça, após de se encarregar de impor uma pena criminal, na Sociedade se encarrega de a fazer presente na ostracização complementar sob a forma totalitária da vendetta.
Enquanto no filme, ainda que isso nunca seja visto, o crime descrito e imputado à personagem de Ronald “Ronnie” James McGorvey – brilhantemente interpretado pelo actor nomeada ao óscar pelo seu papel Jackie Earle Haley – seja o da pedofilia, o simples facto do mesmo ser incluído nesse registro nacional de ‘sex offenders’ (criminosos sexuais), toda a sua vida se faz num inferno que leva à morte da única pessoa que ainda o ama, a sua Mãe.
Faço uma ressalva: a pedofilia é um dos crimes, senão o mais, abjecto de todos, pelo que não me merece qualquer tipo de tolerância. Ainda assim não acredito que seja através da ostracização social, do banir do Ser Humano da Sociedade, que o mesmo deixará de ser um risco público.
Nesta semana que passou fiquei estupefacto com a recente notícia, em diferentes meios de comunicação oficiais, acerca da estranha escolha por parte do canal estatal português em voltar a contratar Carlos Cruz.
Para quem não era nascido ou não se lembra, Carlos Cruz, o Sr. Televisão, foi acusado e julgados pelos crimes de pedofilia, estando directamente envolvido em todo o escândalo que foi a Casa Pia em 2002.
Num ápice as redes sociais enchiam-se de notícias acerca do regresso à apresentação de Carlos Cruz na RTP.
As revistas do coração estavam num frissón que se interrogavam pela vergonha do como seria possível? As pessoas, presas a esta ‘novilíngua’ denominada de Fake News, paparam os títulos sem perceber o engodo errático criado apenas para denegrir um Ser Humano que já pagou a sua pena.
Vejamos, a RTP não voltou a chamar Carlos Cruz. O ex-apresentador, acusado, julgado, encarcerado, pelos seus crimes, foi convidado pelo seu amigo Ruy de Carvalho a apresentar um segmento da sua festa de aniversário, festa essa que será retransmitida pelo canal público. As coincidências são tramadas, e a má imprensa pior ainda.
(se no passado condenei João Soares, enquanto Ministro da Cultura por se fazer representar no lançamento do livro do ex-apresentador, jamais o faria por ser amigo de Carlos Cruz – “política à política, amizade à amizade”)
Mas a saga das notícias plantadas não acaba por aqui, e digo-o com grande clareza, já que este texto não pretende defender Carlos Cruz mas antes demonstrar a forma intrigante como o juízo de valor moral de cada um termina no mero repúdio daquilo que consideramos só por si abjecto.
É facto que Cruz, enquanto parte fundamental – porque o foi – na criação da RTP, foi entrevistado nos 60 anos do canal estatal para falar da sua experiência enquanto participante activo nele. Fazer disso uma tentativa de equiparação, como se ele fosse uma espécia de Jimmy Savile Português, é perigoso e demonstram em como essa noção de vendetta, tal como no filme, não é a resposta apropriada para quem cometeu crimes de teor sexual.
Quem sabe, por isso mesmo, a dita lista de pedófilos proposta no anterior Governo – ao contrário do que ocorre na maioria dos países anglo-saxônicos – não é de acesso público, tendo a sua promulgação sido alterada para que fosse ‘vedado totalmente o acesso dos pais às identidades dos condenados’.
É que neste mundo das Fake News, factos alternativos, estas verdades paralelas onde até os meios de comunicação vigente já fazem parte na propagação de falsidades, nada me espanta quando o Homem mais poderoso do Mundo se vanglorie de acusar o seu antecessor por escutas ilegais (que nunca existiram) porque as viu apresentadas nas notícias que vê.