O 1/365 de 2017 não ficou apenas marcado pelos trágicos ataques terroristas em Istambul na Turquia. No Brasil a mácula do terror também se fez presente quando Sidnei Ramis de Araújo, 46 anos, matou a ex-mulher, o filho de 8 anos e mais 10 pessoas a tiros durante o réveillon na cidade de Campinas no Estado de São Paulo.
Caso o inexplicável acto de horror familiar se ficasse por crime passional bastaria para compreender que algo não estava bem na vida do Pai em relação à sua Família, mas como foi de conhecimento público, o assassino em massa deixou cartas aos amigos justificando o crime que iria cometer.
Qualquer mediano analista criminal, pessoa de bom senso ou Ser Humano que leia a carta trazida a público consegue compreender o quão perdido em si o sujeito se encontrava e quão injustificável – como se isto fosse preciso dizer – o crime em si mesmo foi.
Mais, a responsabilidade do mesmo recai só e apenas no próprio, sendo que toda e qualquer culpa – numa génese retórica religiosa – jamais pode ou deve reflectir a Sociedade Brasileira num todo ou mesmo uma facção política, ideologia presente e, citando o título que dará justificação ao título da crónica, a nossa época.
Ainda assim, e porque o inexplicável tende a ocorrer, houve quem tentasse atribuir a responsabilidade do crime à TV Globo e à operação Lava Jato. Disse mesmo que foram eles os terroristas de Campinas.
Exacto, dei um parágrafo para se poder respirar e recentrar sobre como é possível, face ao decorrido, tendo lido a carta e compreendendo o causídico nefasto de se viver num regime opressor ditatorial como é o Brasil onde a Liberdade de escolha do individuo é cingida por um só canal de televisão Estatal, o Governo se chama Lava Jato e as pessoas não têm direitos e só deveres, alguém pode ter de facto dito isso.
Pior, como pode essa pessoa ser um aclamado e renomado jornalista da RecordTV?
O facto é que Paulo Henrique Amorim dedicou a sua mensagem de novo ano 2017 a fazer tal leviana acusação, como se já não bastassem as suas homéricas perseguições à TV Globo, assim como à grande maioria dos veículos de imprensa onde antes trabalhou e dos quais ou se despediu ou fez por ser despedido. Evidente que este seu acto não é gratuito nem sem intento ou intenção, já que segue a sua longa linha público-política numa militância onde o racismo impera, facto que o condenou no ano passado a prisão domiciliar por chamar a outro jornalista de “negro da alma branca” e “não conseguiu revelar nenhum atributo para fazer tanto sucesso, além de ser negro e de origem humilde”.
Mas a questão subjacente a tudo isto é tão simples e até relativa.
É que se o acto criminoso que Sidnei Ramis de Araújo cometeu, matando a sua família, é, como Paulo Henrique diz, produto do nosso tempo, as suas declarações inflamatórias sobre o tema, citando uma carta parcialmente publicada que um Pai transtornado escreveu, são também o produto deste nosso tempo que todos vivemos.
Tentar fazer isso ser espelho crítico de um canal de televisão privado ou de uma operação de investigação criminal que tem feito mais pelo Brasil enquanto País do que os penúltimos Governos fizeram, é ardil populista e perigoso.
É a maquinação propagandística que, pela falta de capacitação quer intelectual quer analítica, permitiu a famosa Conspiração de 1989 onde a TV Globo foi ampla protagonista de outro golpe, de novo não existente.
É que bem vistas as coisas, falando numa retrospectiva sobre as referências escritas na carta, nem a TV Globo nem a Lava Jato têm essa imposição do bem contra o mal nem o ódio contra o Brasil. Concretizando, e supondo que se fale da Globo enquanto veículo de informação e entretenimento e a Lava Jato como operação de combate à corrupção e crime público, tanto uma como a outra fazem por se isentar de tornar algo pessoal mantendo sempre uma linha democrática em primeiro plano.
É facto que ambas incomodam pela dimensão que têm e pela forma como agem, rectas com a sua formação correcta, abrindo espaço a todos.
Dilma teve direito a uma das mais – a meu ver – patéticas entrevistas que deu enquanto President(a). Foi mesmo o fim da carreira jornalística de Jô Soares. Um dos actores mais Esquerdistas, Zé de Abreu, trabalha ainda na Globo, apesar de tudo o que aconteceu, citado na Lava Jato e tudo. Jandira Feghali descobriu que afinal os debates políticos na Globo não são obrigação de TV Pública e que o insulto leva resposta à altura.
Sobre a Lava Jato nem tenho como prestar defesa pública. Basta contabilizar que, desde que o Brasil não se torne na Itália das ‘mãos limpas’, aplaudo a coragem de se ir até onde não houve valentia prévia.
Agora, e não porque algo tenha importância relativa mas porque algumas palavras têm um peso histórico que outras não têm, mas chamar de terrorista, ou acto de terrorismo, implicando algo ou alguém cuja a independência está acima de comprovada merece uma pena acessória além da conta.
Paulo Henrique Amorim deve ser chamado uma vez mais à atenção pelo que disse sem prova feita.
Ele é o que de mal existe e persiste para criar ódio no Brasil, algo fora da nossa época.
Acredito que vivemos no mundo hoje, uma fase de transição histórica, que nos faz presenciar coisas que chegam as raias do mais grotesco absurdo. As pessoas não parecem comovidas com tragédias como a guerra na Síria, ou os atentados terroristas, mas se mobilizam para saber se um vestido é cinza ou azul. Isso é a essência da não essência, do vazio absoluto.
A liquidez deste tempo, conforme preconiza Z. Bauman é assustadora, assim como são assustadoras as justificativas que as pessoas tentam encontrar para determinadas ações e as tentativas que elas fazem para colocar a culpa em alguém ou em alguma coisa. E o mais complexo de tudo talvez seja a perda da sensatez tanto do que um dia foi a esquerda quanto do que um dia foi a direita, falo isso em termos de Brasil. O debate exauriu-se. As máximas agora partem para a agressão ou para a supervalorização de uma religiosidade que beira o fanatismo.
Parabéns pelo seu texto.
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