O ano era 1989 e o Brasil retomava a votação democrática que os longos anos da Ditadura Militar haviam roubado.
Desde 1960 que os brasileiros não elegiam por sufrágio directo os seus Vice e Presidente da República.
Não só o recorde de candidatos – vinte e dois no total, incluindo pela primeira vez uma mulher – como a data era em tudo simbólica, uma vez que no dia do primeiro turno, 15 de Novembro, celebrava-se o centésimo aniversário da proclamação da República.

Só que a disputa eleitoral, pela sua ampla dimensão, seria decidida numa segunda volta a 17 de Dezembro de 1989.
Quatro dias antes, um debate que ficaria para a história do Brasil.

Na tarde de dia 14 de Dezembro o Jornal Nacional da TV Globo, a maior emissora brasileira, emitia o resumo do debate entre os dois candidatos Presidenciais.

Mostrava-se a realidade de um Brasil saído de uma repressão militar, em busca de uma memória conservadora do antigamente.
Atrás do verde e amarelo da sua bandeira, resgatando a Ordem e Progresso que o excesso militar roubou e a anarquia que o vermelho representava.
Frente-a-frente o Centro Democrático do Partido da Reconstrução Nacional contra o Marxismo de Esquerda do Partido dos Trabalhadores.
Movimento Brasil Novo contra a Frente Brasil Popular. Fernando Collor de Mello contra Luiz Inácio Lula da Silva.

Alexandre Garcia, pivot que encerra o debate, pede as palavras finais dos candidatos.
Por sorteio fala Collor, depois Lula. Se o primeiro pede uma afirmação de se “dar um não definitivo à bagunça, à baderna, ao caos, à intolerância, à intransigência, ao totalitarismo, à bandeira vermelha. (…) dar um sim à nossa bandeira essa que está aqui à bandeira do Brasil, a verde amarela azul e branca.” o segundo coloca o ênfase “na competência da categoria profissional” e “política”, fechando com “hoje estou disputando a Presidente da República para ganhar as eleições no dia 17.”

No resumo é apresentado uma opinião sobre quem teria vencido o debate?
Segundo a sondagem vox populi, num desempate técnico, Collor. Lula não convenceu.
22% óptimo; 39,5% bom, 28% regular; 7,7 % ruim/péssimo.
Uma amostra de 490 entrevistados em 114 municípios.

No final do resumo surge de novo Alexandre Garcia, voz Global.
Faz a reserva do juízo de valor moral Democrático que os bons meios de comunicação devem prestar ao seu público.
Finalizavam-se 11 minutos e 14 segundos de reportagem.

Três dias depois a vitória seria dada àquele que seria o primeiro, e único, Presidente deposto por um processo de impeachment no país.
A sua vitória deveu-se a uma polémica edição televisiva do debate ocorrido três dias antes.

1989.jpg

A edição do debate que ficaria para a história do Brasil fica manchado pela manipulação que a TV Globo fez do mesmo.
Enquanto na sua edição matinal, no Jornal Hoje, a reportagem tem o equilíbrio de tempo e moderação necessários, na versão truncada apresentada no Jornal Nacional, Lula aparece menos um minuto e meio, tem sempre uma presença de contraditório sem réplica, e Collor surge como um hino vitorioso nesse verde e amarelo que definem o seu logótipo de campanha.
Se a teoria de conspiração, lançada em 1993 no documentário ‘Beyond Citizen Kane’ do britânico Simon Hartog, não lançou a dúvida como facto concreto, o livro biográfico de Boni, o grande chefe de produção Global, onde o próprio assume que foi conselheiro não oficial de Collor na campanha de ’89, servem como prova provada de que a Globo teve uma mão criminosa na incapacitação de Lula se tornar no Primeiro Presidente eleito após a Ditadura.

Só que os dados oficiais desmentem o que a conspiração insiste em parecer verdade.

Não só o nível total de audiência do debate na sua integra foi superior ao número de pessoas que apenas assistiram ao seu resumo, como uma simples análise das votações eleitorais a nível nacional por turnos desmente a tese de cabala instituída contra Lula e o Partido dos Trabalhadores.
No primeiro turno, antes de qualquer debate histórico ou a sua emissão truncada, Collor teve, num eleitorado de 82.074.718 milhões de habitantes, 30,47% contra 17,18% de Lula.
Já no segundo turno Collor teve 53,03% e Lula 46,97%.
Segundo a tese vermelha, a reportagem golpista da Globo teria quebrado o balanço vencedor de Lula e por isso ele perdeu as eleições desse ano.
Só que, fazendo-se uma simples regra de equiparação – já de si conspirativa – se se equiparar o resultado obtido entre Collor e Lula no contexto do primeiro turno e vincula-lo por sobreposição ao segundo, a regra diz que Collor teria ganho numa segunda volta por 63,94% contra 36,05% de Lula, e não com apenas a diferença de 6,06% que realmente os separaram.

Só que a conspiração de 1989 não foi Collor vencer, foi Lula perder.
Nesse instante abriu-se a caixa de pandora para o PT se estruturar na certeza de golpear Presidentes em pedidos sucessivos de impeachment.
Todos até chegar a sua vez.
Agora não, impeachment é golpe.

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