Tudo começou, oficialmente, a 1 de Junho de 1980, eram 17:00 locais, quando a Cable News Network iniciou a sua primeira emissão.
O propósito era simples e eficaz. Um canal que mostrasse notícias 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano.
O profissionalismo endinheirado de Ted Turner via-se disputado pela pergunta que a nova década do consumo instantâneo viria a dar resposta:
Haveria conteúdo noticioso relevante que preenchesse tanto espaço numa aparente infinidade temporal?

Não, mas a ruminância noticiosa que a década yuppie procurava, feita dessa repetição acrílica em tons neon e gráficos ilustrativos do crescimento Wall Street nonstop eram tudo o que a América, e logo depois o mundo, queriam e procuravam imitar.

Só que a criação da notícia, em claro artifício monitorado pela condicionante estatística das audiências, foi (e é) factor que não se alheou ao crescimento da CNN.
Se em 1986 eram o único canal televisivo a dar transmissão em directo do lançamento e explosão acidental do Space Shuttle Challenger, no ano seguinte conseguiram iniciar o ciclo mediático sensacionalista do salvamento da bebé Jessica.

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O enredo e logística da reportagem parece retirado de uma página de um qualquer jornal matutino explorando o drama Humano como renda comercial na luta pelas audiências.
Quando a 14 de Outubro de 1987 a pequena Jessica McClure, com apenas 18 meses, caiu dentro de um poço com 6,7 metros e cujo estreita entrada, com 20 cm apenas, impediam a sua fácil retirada, logo a CNN começou uma reportagem em directo do local em Midland, Texas.
Durante 58 horas seguidas, enquanto 16 bombeiros e ajudantes planeavam o seu bem sucedido resgate através da escavação de um túnel lateral paralelo, a CNN fez cobertura integral sem nunca parar de informar ao vivo sobre a ocorrência. O efeito foi tão marcante que o próprio Presidente Norte Americano, Ronald Reagan, fez uma declaração pública constatando o facto de que “enquanto isso estava a acontecer, todos na América tornaram-se madrinhas e padrinhos da Jessica.”

A notoriedade do facto foi tão grande que, ao melhor estilo sensação com emoção, a fotografia do resgate venceu um Prémio Pulitzer em 1988.
Em 1989 todo o resgate transformou-se no telefilme Everybody’s Baby: The Rescue of Jessica McClure.
EUA a serem os EUA.

Evidente que a acção positiva da CNN é louvável já o final do resgate da bebé Jessica teve um final feliz. Caso contrário como teria sido?
Como olharia uma sociedade de necrófagos em busca da próxima História Humana em que aquilo que verdadeiramente busca é a tragédia?
Se Jessica tivesse se afogado dentro do poço, observada voyeristicamente entre as preces de milhões de Americanos que pelos ecrãs da CNN observavam o seu resgate, como estaria agora esta vertente noticiosa ruminativa de estarmos 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano a olhar para todos os resgates esperando o desastre iminente que chega?

Ontem sucedeu mais um atentado terrorista. Se foi ou não terrorista já pouco interessa. Mesmo que não tenha a mão de nenhum grupo terrorista organizado, os mass media, as news room, 24/7/365 nonstop fazem com que seja. As confirmações tornam-se virais, tão acrílicas quanto as mensagens que todos recebemos mal ocorre qualquer coisa em todo o mundo global, incansavelmente desconexo mas sempre conectado. O pânico já não é não saber ou ficar na ignorância. É saber de tudo a todo o tempo, na profunda inconsistência que tudo toma.
É ver Jessica ser salva sem saber se irá sobreviver.
É receber a notícia de que Schaüble diz que não disse que Portugal irá receber um 4º resgate caso não cumpra as regras Europeias.
É a raiva vinda desse pânico do imediatismo. O medo já passou. É a inconsequência do mediatismo. É sensacionalismo.

É hora de apagar as televisões e desligar os smartphones.

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