“Gatsby acreditava na luz verde, no futuro orgástico que, ano após ano, recua diante dos nossos olhos. Nessa altura iludiu-nos, mas não importa – amanhã correremos mais depressa, esticaremos mais os braços… E uma bela manhã…
Assim vamos persistindo, como barcos contra a corrente, incessantemente levados de volta ao passado.”
O fim apoteótico de Great Gatsby, porventura a mais famosa obra de F. Scott Fitzgerald, resume o sentimento fatalista do fim de uma era.
Os loucos anos 20 rápido terminavam e a era do jazz iria de encontro com as convulsões políticas precursoras da segunda grande guerra.
A narrativa sobre o esquivo e misterioso Jay Gatsby, nesse paralelo entre duas propriedades separadas por uma baía e pontões equidistantes, é marcada pelo piscar da luz verde. Ela anuncia a vontade que a personagem tem em conquistar o amor proibido de Daisy, antiga paixão que se encontra agora noutro patamar social, casada, fora do seu alcance, mas cujo desejo permanece como sentença traçada de futuro.
Só que se o verde simboliza vontade, desejo, esperança, simboliza também inveja, dinheiro, arrogância. O descalabro de uma neblina que tolda a visão desse barco contra a corrente que o arrasta e draga contra um fundo rochoso.
Gatsby é traído pela própria ambição. Pelo próprio desejo que sabe, de antemão, ser a sua sina.
Por essa luz verde, um sinal de partida enganoso. Seu ponto final de chegada.
O simbolismo da luz verde, da green light, é diverso e dá-se a diversas interpretações. se em Gatsby é o American Dream e o seu confronto com a causa e consequência da artificialidade financeira que sustinha Gatsby e o poder que isso lhe dava, na actualidade uma luz verde é sinal de partida, um OK para se prosseguir com algo que foi aprovado.
Só que os tempos que vivemos parecem trazer um pouco desse futuro orgástico que, ano após ano, recua diante dos nossos olhos. Uma verdade sobre algo que se esperava ser mais e melhor do que na verdade era possível e que nos iludiu.
Algo que estamos a fazer tudo por ignorar, por continuar como se os sucessivos avisos fossem razão por ignorar ou aviso descartável.
A falsa partida anunciada de que Bruxelas tinha dado a sua luz verde no Orçamento do Estado para 2016 fez-me sentir frente a um Great Gatsby e esse vislumbrar de um passado que se pretende reconquistar sabendo de antemão o risco como garantia de que tudo irá, por força maior, falhar.
Não é uma questão de ideologia ou dextralidade política.
Trata-se do bom senso em compreender que a teoria dos jogos falhou. Os modelos económicos não se impõem quando tudo se sustenta numa Sociedade que depende entre si da sobrevivência mutua de todos. Por aqui, na sua patriótica dimensão, não há o verdadeiro grande capital espoliável além da classe média.
Há apenas uma geringonça ferida de morte persistindo, como um barco contra a corrente, incessantemente levada de volta ao passado.