Há um sintoma de repetição que ocorre quando visto à distância. Algo que indicia o rumo certeiro para algo que sucede mas, nesse acto de consequência sem responsabilização, apenas ganha honras de ser identificado à posteriori.
Uma espécie de ‘fora de controlo’ sem que ninguém ‘tome o controlo’. Uma Lili Marleen.
Ela é a reverberação de uma memória que se fez som musicado.
Uma guerreira na primeira linha, embalando o doce abraço de todos os que a sua doce voz escutavam, personagem de guerra sem que na verdade tenha alguma vez existido. Lili Marleen é nome de música, nome de algo que, hoje esquecido, teve um significado maior daquele que hoje, na exaustão de tanto que se faz escutar, se compreende: o triunfo do valor Humano frente ao Homem.
O poema escrito em 1915 por Hans Leip, embebido do tumulto bélico da Primeira Grande Guerra, publicado em 1937, origina a música “Das Lied eines jungen Soldaten auf der Wacht” – Canção de um Jovem Soldado sentinela – de 1938 pelo toque musical de Norbert Schultze e voz de Lale Andersen.
A canção transformou-se num hino de esperança nocturna, feita propaganda de Goebbels, trazendo sucesso a Anderson.
Durante a guerra ela transforma-se na rapariga do refrão, Lili, mas quem terminou por imortalizá-la, já numa resposta de contra-ataque,foi Marlene Dietrich. Lili adquire o seu nome e transforma-se em Lili Marlene.
A memória desse amor, debaixo de um poste iluminado, frente ao quartel.
Se a música de outros tempos era essa doce melodia que guiava os patrióticos corações dos soldados rumo a um retorno sem volta, no cair de uma fria guerra de muros que sucumbiam ao cálido capital a música que se fazia tocar já não apelava a uma esperança romântica. Pedia antes o fim ao preconceito e ao estereótipo. Pedia mesmo que não nos fizéssemos controlar.
Berlim ainda estava dividida mas Reagan era já Presidente quando a MTV New York transmitiu, em 1986, o clip da música ‘No controles’ da banda espanhola Olé Olé. Era a primeira que uma música latina, fora do conceito American Mass Midia Way of Life, invadia os ecrãs da televisão Norte Americanos.
O sucesso escrito por Nacho Cano, o mais rentável da sua carreira, foi instantâneo e a música teve efeito imediato. A sua letra fácil, comercial e repetitiva, apelava ao instinto mais básico e Democrático de todos nós: Direitos a ter Direitos e ser contestatário.
Não controles o meu modo de vestir, não controles o meu modo de pensar.
São os meus vestidos, são os meus sentidos.
E a todos eu agrado.
A geração dos ’80, “pop soda, hard core, sexo e drogas duras“, viu-se perante um hino estupefaciente e inebriante.
Se não havia guerra para defender um estilo de vida, havia um estilo de vida para se guerrear ter.
E de facto, de lá para cá, a geração que cresceu na década de ’80 teve tudo a que exigiu ter direito.
Vestiu-se como quis. Pensou como quis pensar. Apenas não cumpriu a parte de a todos agradar, mais egoísta do que Humana.
O temerário balanço no espelho desta comparação dum sintoma de repetição que ocorre quando visto à distância é simples: quando a liberdade da promessa dada é demasiada – num acto sem responsabilização – há sempre uma consequência inevitável. A geração dessa década da promessa fácil, do consumo eterno, da vã glória de mandar; está agora entregue à procura desse controlo que outrora abdicou.
Nesse mesmo ano de 1986 os Olé Olé lançam um cover, em castelhano, da música Lili Marlén, quem sabe nesse espelhar do passado que se repete.
Vivemos numa Sociedade em que todos somos contestatários, temos todos Direito a ter Direitos, a jargões moralistas, a opiniões – a emiti-las sem omiti-las – a sermos donos desta nossa verdade absoluta e absolutista. Vivemos reféns de sermos donos da independência suprema intitulada umbigo e a obrigação transformou-se em propaganda.
A pergunta é simples, mas a resposta complexa, numa iniciativa pessoal a longo prazo, afinal quem controla Lili Marleen?
Ou seja, quem é o master mind dos desígnios e das vontades que nos fazem mais ou menos Humanos?
Quem é o arauto propagandista que joga com as emoções e perverte o desejo de todos nós?
Quem é a macro-economia desta micro-economia? A ordem deste caos…
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