Em 1839 o tráfico Humano era algo que ainda existia.
O abolicionismo estava na pauta do dia mas o comércio de seres vivos para alimentar a escravatura existente nos países colonizadores era uma constante.
A realidade do acto de raptar um outro Ser Humano, inibindo a sua Liberdade individual, transportando-o para um país estrangeiro, fazendo dele escravo, criando sucessivas gerações de Seres Humanos explorados, pela distinção rácica, de terem uma pigmentação de pele diferente da vigente nas comunidades com maior poder económico, era algo que criava clivagens no seio da Sociedade que começava a procurar uma qualquer igualdade Social.
Essa noção era já vigente na ilha Cubana, sob domínio Espanhol, onde o tráfico Humano vindo de África era ilegal, mas a posse de escravos nascidos localmente era, ainda, legal.
Quando o motim a bordo do navio veleiro ‘La Amistad‘ estalou em meados de 1839, liderado pelo, então denominado, escravo cubano Joseph Cinqué, tudo parecia ser apenas a revolta de um grupo indisciplinado contra os seus legítimos proprietários.
Na curta viagem entre Havana e Puerto del Principe, ao matarem toda a tripulação do navio, deixando apenas viva a carga Humana e dois navegadores José Ruiz e Pedro Montes, os escravos exigiram regressar ao que chamaram a sua Terra Mãe, Serra Leoa.
Ruiz, o navegador sobrevivente, ao aceder fez uma perigosa manobra de ilusão. Não os levou rumo a África mas antes aos Estados Unidos da América.
O navio foi apreendido a 26 de Agosto de 1839, na costa de Long Island, Nova Iorque, pelo navio USS Washington, enquanto a tripulação buscava mantimentos.
Os sobreviventes brancos foram resgatados das negras mãos dos seus bárbaros e cruéis captores.
Sob jurisdição Norte Americana começou um dos mais importantes casos jurídicos sobre a legalidade da escravatura.
Joseph Cinqué, o escravo dito Cubano era na verdade o Africano Sengbe Pieh, raptado em Julho passado do mesmo ano de Serra Leoa, juntamente com os restantes escravos responsáveis pelo motim, trazidos ilegalmente para Havana, Cuba, a bordo do navio negreiro Tecora.
A discrição da viagem entre a costa de África e a pequena ilha Cubana revelou a realidade desumana do tráfico Humano. De como fizemos do Ser um bem descartável a ser transportado para valer menos que a mercadoria perecível que se vendia junto com a carga fisiologicamente igual a nós.
Um dos períodos mais negros na História da Humanidade.
(validada por tudo e todos)
Hoje o navio La Amistad é o símbolo da revolta que incendiou o lícito, justo, e mais que necessário, debate sobre o fim da escravatura como um mal a ser abolido.
De uma forma geral, num mundo feito da possível liberdade, a escravatura como sistema, é ilegal, sobretudo porque se pode pensar que a Legalidade – sendo que a escravatura já foi legal; não é uma questão de Justiça, mas sim de Ética.
Claro que a Justiça existe para ser aplicada, mas só em último recurso. A defesa quando tudo mais falha.
Hoje em dia já não há navios negreiros. A escravatura não é o sistema de subsistência que foi durante séculos (milénios?).
Agora temos a migração como forma de sobrevivência.
Dessas fugas perpetuadas a bordo de barcas, barcos abandonados à sua sorte.
Carrinhas de transporte alimentar empacotadas com corpos amontoados, largadas à beira de uma estrada até que alguém descubra o novo tráfico Humano destes colonizadores da Guerra.
Desta Europa a ser invadida.
Da nossa falsa amizade perante os novos La Amistad que surgem a cada dia, cada vez mais.
Uma amizade impotente.
Uma amizade amarga.
Uma amizade egoísta.
Uma amizade que desliga a televisão ou desvia o olhar.
Porque são eles. Não somos nós.
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