22 de Janeiro de 1987 começou frio.
A neve caia forte e estava rigorosa. Por tal não tinha havido aulas nessa quinta feira.
Pelas 9:30 da manhã, como havia sido comunicado à imprensa, o Senador Estatal eleito Tesoureiro da Pensilvânia, Robert Budd Dwyer, faria um importante comunicado público.
Na manhã seguinte, dia 23, seria condenado a 55 anos de prisão por receber um suborno de 300 mil dólares num acordo ilícito pela contratação directa da empresa Computer Technology Associates como gestora dos fundos de pensões do seu Estado.
Apesar de ter anunciado a sua inocência, as provas eram contundentes.
Havia trocas de correspondência, telefonemas e testemunhas que comprovavam o crime público.
Dwyer era um criminoso.
Corrupto.
Rob Dwyer trazia consigo uma mala de viagem.
Dentro dela cópias do discurso que iria ler, três envelopes endereçados aos seus assessores, e um saco de papel pardo.
Depois de falar, convicto, da sua inocência, de como o Sistema Judicial Norte Americano, da melhor democracia a nível mundial, deveria ponderar a certeza com que assume provas concretas quando não o são, reportagens televisivas, noticias tendenciosas, uma convicção tingida, Dwyer regressa de novo à sua mala.
Distribui o discurso que antes lera com algum nervosismo de quem sabe o seu destino de inocência. Chama os seus três assessores e dá-lhes, individualmente, uma carta. Diz que contem algo relevante e importante para o seu futuro.
De seguida pega no último saco. O de papel pardo.
Dele retira uma Smith & Wesson modelo 27.
O que antes era um anúncio de possível renuncia ao cargo por um crime provado transforma-se agora num desfecho inimaginável.
Budd está convicto do que faz. Não hesita na contemplação ao pedir que isto sirva para a memória póstuma de um erro.
Do que a certeza judicial na condenação errónea pode levar alguém a fazer. Não por culpa. por inocência.
Por vergonha de ser apontado como um culpado que sabe não ser.
Cerca de 10 minutos após começar a sua conferência de imprensa Robert Budd Dwyer puxa o gatilho da sua arma, verticalmente encostada ao céu da boca, e dispara.
As suas últimas palavras são:
“Cuidado, isto pode magoar alguém!”
O suicídio, televisionado em diferido e sem censura, numa época em que não havia sensibilidade gráfica sobre o choque, passava numa emissão especial nos milhares de ecrãs dos lares da Pensilvãnia onde crianças facilmente impressionáveis, retidas por um dia de neve, assistiam a tudo.
Se a certeza da culpa era certa, agora com a declaração de uma inocência suicida, era caso encerrado.
Maestria dos sete pecados capitais.
Ou deste novo, o oitavo: Expiação.
Após o acto cometido por Dwyer a verdade veio ao de cima. Ele fora incriminado. As provas seguras eram fraudadas, e a empresa que teria supostamente contratado por adjudicação directa plantou um falso testemunho na sua correspondência.
O estratagema de conluio financeiro serviu, à época, para um desvio público de 4,6 milhões de dólares, uma barganha na nossa conspurcada actualidade, mas ainda assim sintomático da certeza nesta cega justiça que se faz cumprir.
Este relato dos instantes finais de vida de alguém cujo percurso, a não ser perfeito, é inocente, demonstram bem como o erro propositado, o jogo político, a certeza alheia induzida, e o sistema do contraditório tingindo, manchado, maculado (tainted em inglês), são suficientes para arrastar a inocência ao desespero da culpa.
À expiação que nos irá salvar.
A questão que se pode colocar, perante um Mundo, uma Europa, um Portugal, onde tanto se prende, na certa certeza das culpas, é: se alguém, algum dia fizer como Dwyer, haverá uma busca pela inocência?
Ou relegamos o 8º pecado capital a um dos outros sete?
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