“A evolução cultural é proporcional ao afastamento do ornamento em relação ao utensílio doméstico.”

Devia ter uns 16 anos quando li uma versão brasileira daquele que mais tarde descobrir se chamar “Ornamento e Crime”, o Magno Opus de Adolf Loos, uma violenta crítica à Arquitectura do ornamento excessivo e sem princípio que não o estético na época da Secessão Vienense do virar do século XX.
Há época guardei na memória um título mais amistoso, ‘Ornamento e Delito’, pois não encontrava os ecos de tal crime na nobre arte que via em excesso vrs o utilitarismo depurado das formas que logo após se viam em voga na República de Weimar e a sua Bauhaus.
Foi preciso reler, quase 20 anos depois, esse “Crime” para compreender como ele existe e se implementa de forma prática quando aquilo que se propõe é o facilitismo da função na sua forma sem nunca revelar a dificuldade de atingir a sua depuração pragmática.

Loos

“A velocidade a que se dá o desenvolvimento cultural é prejudicada pelos retardatários, Eu vivo talvez no ano de 1912, mas o meu vizinho vive no de 1900, e aquele ali em 1880.”

Tudo em nós é cultura, génese, influência.
Nada em nós é espontâneo.
A geração espontânea é esse mito que em Portugal, por exemplo, existe do anseio Nacionalista de 60 anos de ocupação Espanhola. Tudo mais é simbologia acessória que se repete numa espiral cônica ovalada ascendente.
E assim do nada, nesse nicho que em contra relógio surge, o retardatário se apresenta. Ele que não gosta da economia de meios e onde pode, gasta no acessório e supérfluo.

“Estes retardatários atrasam o desenvolvimento cultural dos povos e da humanidade. Sob o ponto de vista econômico, pode-se observar o seguinte fenômeno entre duas pessoas que vivem uma ao lado da outra e que têm as mesmas necessidades, os mesmos objetivos em relação à vida e os mesmo rendimentos e que pertencem a duas culturas diferentes: o homem do século XX está cada vez mais rico, o ser humano do século XVIII cada vez mais pobre.”

Porque a cultura que fomenta o mercado económico é essa que se fecha na lógica economicista redutora da produção acessória. Neguemos a aproximação cultural em detrimento do separatismo ideológico. À técnica e engenho a miséria, à simplicidade mecânica tudo.

“O prejuízo que o povo trabalhador sofre por causa do ornamento é ainda muito maior. Uma vez que o ornamento não é um produto natural da nossa cultura, ou seja, uma vez que representa ou um atraso ou uma manifestação de degeneração, o trabalho do ornamentador já não é devidamente pago” – ecos indevidos de apropriação cultural surgem no meu pensamento, como se os países fossem estanques por muros intransponíveis, lógica gráfica sem realidade telúrica – (…) “O ornamentador tem de trabalhar 20 horas para ganhar a salário que um trabalhador moderno aufere em 8. Em regra, o ornamento encarece o objeto e, mesmo assim, acontece muitas vezes que um objeto ornamentado, acarretando o mesmo custo em material e comprovadamente o triplo das horas de trabalho, é posto à venda por metade do preço de um objeto “liso”.”

1912, morte ao adorno que sustenta uma indústria. A Revolução Industrial que se re-invente e propague à extinção do Homem. Os retardatários são aqueles que ‘perdem’ o seu tempo, devotos a uma cultura e arte. Neguemos-lhes o seu tempo. Questione-mos o seu preço. Criemos as bases para condicionar o seu valor.
Extrememos a sua ‘lisura’ profissional.

“O ornamento é um desperdício de mão-de-obra e, por isso, um desperdício de saúde. Foi sempre assim. No entanto, hoje o ornamento também significa desperdício de material e ambos significam desperdício de capital.”

Centremo-nos em nós. Na matéria prima Nacional, produzida localmente, trabalhada pelas mãos que nos criaram, no tempo que nos reduz à significância da existência material do dia em que dizemos ser poucochinhos.
Que ornamentos são o nosso desperdício e quais aqueles a mão-de-obra correctente aplicada para não iludir a um escapismo extremista como Loos propõe?
Nem no excesso se encontra a solução nem no seu oposto. Os dois se encontram na balança que nos pesa.

Damos por nós e somos os retardatários utilitários em excesso.
Meros “utensílios domésticos sem utilidade pragmática”. Votamos por votar. Sem sentido da estética cultural que se propõe ou estabelece.
Queremos sempre a solução imediata sem para ela trabalharmos, tal qual objecto adornado, valor excessivo – e meritório – quando o simples sucedâneo nos serve melhor.
A pergunta é, até quando?

1912 poderia ser 2019, ou com isto 2020. Uma Sociedade regida pela vontade em buscar a simplicidade programática com objectivos imediatos a todo o custo, mas onde o trabalho para lá chegar é esquecido na memória da história passada.
Somos eternos 60 anos, 1640 revisto em 11 segundos de silêncio abrupto, na espera que os retardatários sejam outros, nunca nós.

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