Muito se disse e escreveu sobre o escândalo – agora silencioso – de Jeff Bezos e a sua sextorsão por parte da revista National Enquirer.
O enredo alargado da AMI, American Media Inc. – dona da National Enquirer – e a sua relação financeira com o Príncipe Saudita bin Salman entram em confronto com o assassinato da Jamal Khashoggi, jornalista do The Washington Post, jornal de Bezos, num enlace ainda sem resolução.
Mas aquilo que pouco se falou foi o carácter que Jeff Bezos, conhecido e reconhecido pela sua falta de escrúpulos no mundo empresarial, teve ao lidar quando sob a pressão de ver fotografias íntimas suas expostas perante a opinião pública Norte Americana, quem sabe Mundial.
Ao invés de ceder, hábito entre quem pretende manter a sua suposta honra imaculada, Bezos deixou que cair a máscara da dita sextorsão, publicou as ameaças que recebeu e assim abriu uma maior conversa sobre o direito à imagem num mundo onde a partilha da intimidade nos pertence no limite da honra e secretismo daqueles com quem interagimos.

Comecemos pelo básico: porque tiramos nós fotos íntimas. Mais, porque temos nós esse desejo de as partilhar?
Que atire uma pedra quem nunca, secretamente, se fotografou ou recebeu uma fotografia de teor erótico ou sexual.
A dita sexpic, dickpic, esse comprovativo/memória de algo só nosso, momento de honestidade fria, quente, rasante tal qual carne trêmula em ponto de ebulição.
Ali somos imortais para todo sempre.
Um segredo.
Mas os segredos partilham-se.
Uns sem cabeça. Outros só da cintura pra baixo. Outros em boa companhia. Ainda aqueles com tudo: som, movimento, ação. Uma imagem com o play a provocar.
E depois queremos mais.
O mais encontra-se nas apps para encontros de cariz sexual. Eles dizem que é para a amizade, mas todos sabemos para o que serve o Tinder, Grindr, Badoo e mesmo Facebook quando bem exprimidas as coisas. No fundo acabamos por trocar caras com mensagens e fotos de coisos com coisas.
O mundo romântico não morreu, antes adaptou-se na virtualidade prática do capitalismo pragmático que se aprende na pré-primária: “Mostras-me o teu, que eu mostro-te o meu”. E aceita pra direita, rejeita pra esquerda.
Fácil e indolor. Político quiçá?
Ou não.
A dor vem quando a exposição se transforma em sextorsão.
Quando a imagem que todos partilhámos chega ao interesse daquele que nela vê a humilhação do indivíduo. Quando dela se vê ganho financeiro, proveito futuro.
Amanda Todd, Ronan Hughes, Daniel Perry… exemplos cuja humilhação por extorsão sexual e cyberbullying levou ao pior fim: suicídio. E tudo pela vergonha de nesse acto, na partilha de sermos humanos e mortais, termos mostrado a outro alguém aquilo que o outro, além de ser, também quer.
Os Estados Unidos são uns puritanos do pior – recorde-se o “escândalo recende do Congressista Anthony Weiner -, mas aqui pelo burgo o conservadorismo voyeur também gosta de achincalhar quem na desgraça cai.
A dupla culinária Lorenzo e Pedro, ou o “jamais, Salomé!” José Castelo Branco vêm-me logo à memória dos que, apanhado na partilha íntima, são martirizados como degredo social.
Só que lá está, quem pedras lhes atira, quem sabe um dia se olhe num espelho estilhaçado. Ou perante a ameaça, receba a resposta que Bezos deu:
If in my position I can’t stand up to this kind of extortion, how many people can?
Que com ele acabe o ciclo para que mais ninguém por isso passe.