Não há muitas formas para falar sobre o que se passa na Catalunha, nem sequer de como explicá-lo com racionalidade, sem que se lhe impunha um pouco de insana insensibilidade e representação exemplificativa de como nem tudo o que parece é, ou na verdade a sê-lo, nunca foi.
Muitos fazem tábua rasa sobre a Independência da Catalunha como se isso fosse fervor Nacionalista onde a Pátria Espanhola nunca lá estivesse estado ou as mãos de ambos os lados nunca se tivessem dado por mútuo interesse.
Não farei da lonjura paradeiro para a actualidade, nem sequer dessa proximidade distante entre as escolha machista empenhando a Lei Sálica que opôs Carlistas contra Isabelinos meramente por interesses independentistas.
Fico-me nesse Nacionalismo Catalão contemporâneo, raiz Republicana, Renaixença de língua, literatura, e cultura catalã, consequência de uma sociedade industrial onde o proletariado luta contra um Reino que se resistia ao liberalismo e que desejava continuar com o Antigo Regime.
Compreendendo essa ‘Oda a la Pátria’; “Plau-me encara parlar la llengua d’aquells savis, // Que ompliren l’univers de llurs costums e lleis, // La llengua d’aquells forts que acataren los reis, // Defengueren llurs drets, venjaren llurs agravis.” para defesa dos direitos e vitória das queixas. Mas se 1833 o enunciava, 1892 via estruturar a base política independentista no programa Bases de Manresa e até a semana Trágica propiciara a Mancomunitat em 1914, o desfecho final da Guerra Civil em 1939 traria a Ditadura de um Caudillo repressor.
O Estatuto da Independência Catalã via-se agora refém de uma Nação que se pretende una como o passado que estabeleceu a importância de uma Catalunha autonómica.
Quando a Movida Madrileña se alça a realidade e a 20 de Novembro de 1975 nas rádios se escuta “Españoles, Franco ha muerto”, logo o debate regrassa e la Llibertat, Amnistia i Estatut d’Autonomía da Catalunha voltam a debate.
Regressada a Democracia e a Lei, o voto local propõe que a Generalitat regresse com poderes reforçados e em 1979 o Estatuto de Autonomía de Cataluña é aprovado com apenas um voto contra.
A Espanha e as suas 17 Comunidades autônomas são uma só.
Em 1986 chegou a vez da CEE, nova União agora económica e Europeísta, e em 2002 a moeda única.
Já não é só a autonomia, é o País e o Mundo.
Em 2009 tudo muda outra vez.
Os independentistas catalães referendam “¿Estás de acuerdo en que Cataluña sea un estado de derecho, independiente, democrático y social, integrado en la Unión Europea?”, vencendo com 95% e 71,5% de abstenção. Mas a Caixa de Pandora estava aberta.
O referendo e posteriores manifestações vinham como resposta ao Tribunal Constitucional e Governo Central em limitar as aspirações de autonomia Catalã.
Com a queda do socialista José Montilla, o grito de ‘Som una nació, nosaltres decidim’ leva Artur Mas a ser o novo Presidente de uma Generalitat reforçada em poderes autonómicos.
Mas se a Lei havia sido imposição, a partir de agora seria força de polémica.
Em 2012 faz-se a manifestação ‘Catalunha, novo Estado da Europa’ com o objectivo de se referendar nova independência. O Concert per la Libertat em 2013 criam rumo para a “Vía Catalana hacia la Independencia” e em 2014 referenda-se “¿Quiere que Cataluña sea un Estado?” e “En caso afirmativo, ¿quiere que este Estado sea independiente?”, sendo que o Governo central abre a contenda do voto da minoria autonómica contra o restante País que a sustenta.
O Partido Popular adverte, “la soberanía y la unidad de España” não são negociáveis.
Mas a Escócia passava por iguais vontades contra o Reino Unido, e um Brexit se desenhava em negativa contemplação.
O tiro saiu pela culatra e o voto pela independência foi tido como não vinculativo o que levou à vitória de uma maioria independentista nas eleições para o Governo Autónomo em 2015.
O resto é quase uma história que se escreve como sendo estória.
A 1 de Outubro de 2017 anuncia-se novo referendo desde logo declarado ilegal.
Dia 6 o mesmo realiza-se num ambiente quase bélico onde a viralidade de imagens de arquivo potenciam uma vitória para o actual Presidente Catalão Carles Piugdemont.
Mariano Rajoy surge como o vilão que se escuda na Lei contra um Povo que se diz oprimido por todo um País que assiste à tempo de mais a uma charada denominada cultura em prol de ganhos financeiros.
Desta feita é o tiro que sai pela culatra para os independentistas.
Declarada a Independência, 33 segundos depois é suspensa para dar aso a uma aclaração formal.
A Espanha une-se em torno de ser una, a Europa em torno de ser Europeísta. A Independência não tem respaldo oficial de nenhum Estado com relevância para tal.
A verdade da mentira torna-se facto e o estado da moeda e da dívida falam mais alto num território que se veria isolado do mundo global.
A fuga é instrumentalizada e Piugdemont foge para o único provável aliado na causa independentista: a Bélgica.
Não é à toa que as suas declarações no momento em que o Governo de Madrid emite um mandato de detenção para os políticos em fuga sejam em francês ou outros dialectos locais.
Mais, o facto de se ter entregue à polícia Belga anuindo à sua detenção, pedindo para ser julgado por um Juiz Flamengo e tendo feito os depoimentos em Neerlandês apenas reforçam a estratégia da jogada de vitimização política.
Mas nem os Independentistas veem com bons olhos um Presidente que lhes promete a Independência, a suspende e logo depois foge para salvar a própria pele.
Quando pensava como intitular esta crónica apenas me lembrava em como esse sagaz político fazia escárnio das Leis a seu uso e satisfação própria sob o manto do Povo que legitimamente o elegeu.
Pensava em ‘Las Meninas’ de Velásquez, em como Piugdemont poderia ser quase que uma versão masculina da Infanta Margarida Teresa rodeada das suas ‘meninas’ enquanto os Reis sobre ele olhavam e eu o seu pintor o desenhava. Mas não, apenas me lembrava do taxista Jorge Máximo e da sua frase efeito-choque inenarrável, tão apto a esta situação; “as leis são como as meninas virgens, são para ser violadas”.
Resta agora ao Governo de Madrid retirar todos os poderes políticos e tornar Piugdemont e “as suas meninas” inelegíveis pelo acto cometido.
Fazer deles presos políticos seria o martírio que querem, um novo Franquismo em tempos Democráticos.
E isso seria fazer deles meninas, virgens, como as Leis.