Havia, eu suponho, três rumos possíveis: deixar que as atrocidades cometidas ficassem impunes; Matar os perpetradores ou puni-los por ação executiva; Ou julgar-las. Qual seria? Seria possível deixar tais atrocidades ficar impunes? Poderia a França, poderia a Rússia, a Holanda, a Bélgica, a Noruega, a Tchecoslováquia, a Polônia ou a Jugoslávia esperar consentir com tal rumo? … Será lembrado que, após a primeira guerra mundial, os alegados criminosos foram entregues para serem julgados pela Alemanha e que farsa se passou! A maioria desistiu e as sentenças infligidas foram irrisórias e logo foram retiradas.
A diferença entre cedermos ao instinto primário e elevarmos-nos a essa capacidade Democrática entre saber eleger o correcto face ao certo e errado está plasmado nas declarações que Geoffrey Lawrence, principal juiz britânico e Presidente do grupo Judicial durante os julgamentos de Nuremberg, faz a 5 de Dezembro de 1946, dias após o final das últimas condenações.
Se o Holocausto havia sido o ponto mais baixo da Natureza Humana, ali revelado em prova documental onde nenhum detalhe, quer técnico quer visual, escapou, a elevação jurídica em saber separar o Ser da vontade que nele comanda fez-se lógica e razão daquele que foi – como descreveu Norman Birkett – “o maior julgamento na história”.
Nuremberga não seria o acto falho de Versailles ou mesmo aquilo que em simultâneo se via com o declínio de Mussolini, executado a tiros e dependurado em praça pública. Seria aquilo que Hannah Arendt mais tarde havia de descrever como o direito a ter direitos do homem como ser político.
Hitler, o Nazismo em si perdeu – por deliberação jurídica – o direito político à sua existência. As suas estátuas, símbolos, insignias e lembranças malditas foram removidas a um epiteto de roda-pé, memória museológica para que esse passado atroz não se volte a repetir.
Mas a História é em si anacrónica e quando se vê contradita face ao que à ideia é ideologia, o que pode ser errado prevale sobre o certo sem contradição de correcção. O Comunismo nas suas diferentes variantes matou mais que o Fascismo nas suas, mas a premeditação objectiva de um face ao outro – nomeadamente o seu modus operandi – legaram à existência actual o Comunismo como permanência de um mundo idealista e sem causa, enquanto o extermínio como purificação da Raça é basicamente um revisionismo que se faz presente.
Vejamos, Trump, o sensacionalista reality tv President, não mentiu quando falou na existência de uma querela entre ambos os lados que se impuseram em contra e favor da retirada da estátua do General Robert E. Lee. De facto estavam presentes Neo Nazistas, Supremacistas Brancos, o KKK, a Alt-Right, e o movimento que Trump denominou como a Alt-Left, os Antifa.
Se uns foram claramente com o intuito de protestar, os outros foram em contra-protesto. Ninguém ali foi inocente. Tudo até o Presidente falar.
O revisionismo que Trump alçou, não só aludindo a uma culpabilidade acerca dos ‘both sides’, como pela violência demonstrada – quando falou já Heather Heyer havia sido atropelada – revelam uma inenarrável ignorância histórica. Enquanto a existência dos movimentos neo-nazis et al é de um absurdo total face ao juízo final de Nuremberga, denominar os Antifa como um movimento Alt-Left, criando esse estratégico ponto de vista antagónico Direita/Esquerda; Trump/Hillary; Republicano/Democrático, apenas aprofunda a clivagem existencial de um país dividido que se uniu para governar.
Cito da Wikipédia, não falte a isenção sobre fascismo:
Hoje o termo é utilizado para referir alguém que se opõe ao fascismo em geral, tanto sob a forma de militância activa de um partido político ou movimento cuja ideologia é oposta ao fascismo, como por exemplo o Liberalismo, o Anarquismo, o Comunismo, o Socialismo ou a Social Democracia, ou de forma passiva, simplesmente tendo opiniões políticas que consideram que o fascismo é um regime errado.
(temo conhecer bem os Estados Unidos. Nem invoco a sua História passada ao dizer que são Anti-Comunistas primários, tirem daí as conclusões que pretenderem)
E aqui entramos no pior revisionismo, o histórico.
Trump, encurralado na sua garantia em assegurar culpabilidade unilateral, foca-se na remoção da estátua enunciando que esta seria a primeira de outras tantas. Após o caos e inconsequência da sua conferência tweeta:
“Robert E. Lee. Stonewall Jackson – who’s next, Washington, Jefferson? So foolish,”
Só que a tolice é toda sua.
Não se pode sequer confundir quem é contra a escravatura, além de um dos Pais Fundadores dos Estados Unidos (George Washington, Thomas Jefferson), contra quem lutou para a impor (Robert E. Lee, Stonewall Jackson).
Trump tem razão, “You can’t change history, but you can learn from it!” – Não se pode alterar a História, mas pode-se aprender com a mesma! -, por tal ele deveria aprender algo com a sua própria História (a Norte Americana), digo.
Da mesma forma que quando o Nazismo – e semelhantes forças políticas que baseavam a sua ideologia em racismo endógeno – foi declarado findo as suas estátuas, símbolos, insignias e lembranças malditas foram removidas, quando a Guerra de Secessão terminou a 9 de Maio de 1865 o mesmo deveria ter ocorrido, remetendo toda a iconografia e vontade em perpetuar o racismo como forma de vida nos Estados Unidos a um epiteto de roda-pé, memória museológica para que esse passado atroz não se voltasse a repetir.
Quando Saddam caiu foi ver as suas estátuas e memórias sair. Aqui em Portugal – e já sobre isso escrevi – a ponte Salazar é hoje uma data que por lembrança madrasta se refere só como “sobre o Tejo”.
Infelizmente, como se ouve, lê e vê nas palavras e actos de Trump, o passado é o presente que se vive.
A política é oportunista e moldes passados de Trumps existiram para fomentar grupos como o Ku Klux Klan a derrubar ideias e fazê-las ideologia de oportunidade. A Confederação desse passado esclavagista tinha que ser celebrada e inúmeras estátuas ergueram-se pelas áreas urbanas de vilas e cidades Americanas. Entre 1860 e 1950, enquanto as ‘Leis de Jim Crow’ podiam e eram aplicadas, a segregação racial era uma máxima e mitos sulistas confederados eram feitos estátuas e insignia de honra e glória. Se a guerra não fora vencida, a Lei havia de persistir. A segregação racial nos EUA só terminou com o Civil Rights Act de 1964.
Do popular ao populismo, o revisionismo dos 140 caracteres que todos parecem gostar e ninguém parar.
Em 1919 a Liga das Nação falhou e permitiu que com a queda da República de Weimar Hitler ascendesse ao poder.
Em 2016 a Democracia das sondagens e showoff colocou o reality tv star na Casa Branca.
O Alt-Right formou-se, a Antifa respondeu.
O resto é História.