Portugal não é um país de delações premiadas. Por aqui são mais as denuncias anónimas, os bufos que, sem dar a cara, delatam quem a eles mal fez ou a inveja impera por essa igualdade não fazer suplantar o valor monetário que uma conta bancária aporta.
Mas nem todas as denúncias precisam ser anónimas ou por isso faladas em grandes parangonas que nos cegam nesse deleite diários de espúrio e horror. Há algumas que surgem resguardadas n’O poder do silêncio, título do livro desse que, caído em desgraça, parece anunciar de forma certeira tudo aquilo em que o Portugal actual (dos costumes e feitios) vive.

Falo de Jorge Manuel Jardim Gonçalves, ex-Presidente do Millenniumbcp, condenado a uma pena de dois anos de prisão por crime de manipulação de mercado no banco que presidiu.

O seu silêncio literário é tão sonoro quando aquilo que o antigo Presidente do BCP, Filipe Pinhal, diz das infracções que o condenaram “mais não fazem do que parte do esquema montado para a governamentalização do Banco Comercial Português por parte dos seus principais concorrentes CGD e BES, nas pessoas dos senhores Ricardo Salgado, Carlos Santos Ferreira, José Socrates, Joe Berardo, e através da consultora Heidrick & Struggles de Nuno Vasconcellos, Ramon Bartolomé e Rafael Mora, da EDP de António Mexia.

E é aqui que o silêncio de Jardim Gonçalves, sobretudo quando responde acerca das figuras que o colocaram em causa durante a derrocada do BCP e que ainda não haviam caído em desgraça em 2015, revelam em como tudo faz sentido no Portugal de 2017.

Não tenho nenhum gosto com nada de mal que possa acontecer a alguém, de todo. – isso seria um grande pecado? – Pecados não me faltam, não preciso de mais. O que aconteceu foi um jogo de interesses, um jogo em que cada um desempenhou um papel. Os políticos (Carlos Santos Ferreira e Armando Vara), que estavam sentados na Caixa Geral de Depósitos, a certa altura pensaram que podiam sentar-se no BCP; foram ao primeiro-ministro (José Sócrates) que se dirigiu a um outro banqueiro (Ricardo Salgado) para que pudesse apoiar o investimento de novos acionistas que não tinham capital suficiente. Depois, na vida há sempre alguém, por um motivo ou por outro, que se sente excluído, se sente despeitado, que espera o seu momento. Todos fizeram o seu papel, todos entraram num plano muito bem concedido e com o objetivo de tomar de assalto o BCP.


E se os pecados ali não faltavam, a verdade é que agora se desenlaça um enredo que de semelhante faz espelho daquilo que em 2014 com o BES e a PT se alçou a ser agora reflexo com a EDP.

Mas a manigância da memória é algo inevitável e Portugal escolheu ser Socialista, pese embora agora nessa corrente mais esquerdista do que Soares delineou. E se a denuncia não é anónima, parece agora ter esse cariz que une António Mexia da EDP a António Pinho de Sócrates, que por sua vez tinha como seu braço direito o actual Primeiro Ministro António Costa.
Dizem que a razão subjacente a tudo foi um par de corninhos parlamentares por causa de um cheque da eléctrica para um clube de futebol em Aljustrel.
Mas se em 2009 o Socialismo lidava bem com o grande capital, agora convive com aqueles que o criticam em detrimento de o sindicalizar para aqueles que dele vivem.

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Hoje houve, como tão bem analisou Vitor Matos, a dialética do pré-aviso Comunista sobre esta Geringonça de costumes que edifica o actual estado de graça. “A dialética tem este sentido. O que era verdade anteontem pode não ser verdade amanhã.”
Maior aviso sobre um Primeiro Ministro que se propõe a maioria absoluta frente a uma oposição perdida em si própria.
Jerónimo de Sousa não se volta a coligar, enquanto Catarina Martins até delega nas suas asseclas o bem dizer de que – como escreveu a gémea má Raquel (piada noveleira para os intendidos) – “há uma esquerda cega que, 25 anos depois da queda do Muro, ainda acha que vale tudo na defesa de regimes pseudocomunistas. É escolha sua se Brejnev ainda lhes aquece os corações. A esquerda de que faço parte nunca foi ambígua sobre a condenação de regimes que oprimem o povo e sufocam a democracia.” (et tu, Pablo Iglésias?)

Mas vá, digamos que é tudo, afinal, indisciplina financeira – gastamos mais do que deviamos (onde é que eu já ouvi isto?).
Helena Garrido explica melhor que eu.

É que no meio de tanto bufo que de forma anónima acaba por dizer estas verdades mentidas, tornando Portugal em condição si ni qua non, fico sempre com esta sensação de um ‘ouvi dizer’ – e pudesse eu pagar de outra forma.
Pena não ser lido com aquela voz áspera do Victor Espadinha:

A cidade está deserta,
E alguém escreveu o teu nome em toda a parte:
Nas casas, nos carros, nas pontes, nas ruas.
Em todo o lado essa palavra
Repetida ao expoente da loucura!
Ora amarga! Ora doce!
Pra nos lembrar que o ‘défice’ é uma doença,
Quando nele julgamos ver a nossa cura!

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