Não quero encerrar este ano, que se prevê ser o último de Paz Universal, sem tratar de um tema que me intriga, acossa e deixa estupefacto face a uma Sociedade que se pretende mais Livre e menos identitária.
Pretendo, ainda que de uma forma menos elaborada do que fiz sobre a temática da identificação continental – orientações sexuais -, expor a minha visão pessoal, crónica indagante e crítica política, sobre aquele que elejo ser o tema de 2016: identidade de género.
Quando me apercebi que em Nova Iorque, aquela que por muitos é considerada como sendo a cidade que nunca dormiu, foi aprovada uma lei que defende a existência de 31 (sim, trinta e uma) identidades de género distintas e que todos estão sob protecção jurídica, penso que o cúmulo do bom-senso começa a esgarçar sobre o que é o género, a identidade, o preconceito, porventura o racismo e até quem sabe a génese da mera Biologia Humana.
Não me interpretem mal, não estou a dizer liminarmente que não existe o conceito de identidade de género. Simplesmente não deve (ou deveria) existir um processo pelo qual as pessoas se devam fazer identificar juridicamente como sendo agénero, andrógino, bigênero, cis, duplo-espírito, genderqueer, em dúvida, fluido, não-conformista, variante, MTF, intersex, FTM, não-binário, nenhum, neutrois, outro, pangênero, transgênero, trans*, transexual, transmasculino, transfeminino, e por aí a fora…
Que cada um queira ser aquilo que seja, sou completamente de acordo, a Liberdade do individuo é a pedra basilar da Sociedade Ocidental Moderna. É-o também o respeito inter pares, coisa que a objectivação desta adjectivação que um determinado maneirismo faz corresponder palavra mais palavrosa determina que o que daí surja é nada mais nada menos que preconceito.
Vou por partes.
Se a fama prevista por Warhol se determina por cliques e likes, Steffen Königer – representante do partido de Extrema Direita populista Alternativa para a Alemanha – ganhou o pódio quando listou 60 identidades de género distintas para votar contra “a campanha para a aceitação de gênero e diversidade sexual, auto-determinação, e contra a homo e trans-fobia” proposta pelo Partido de extrema esquerda os Verdes.
E o mal disto está todo aqui. Não só se está a fazer uma politização de algo que deve transcender a mera jogada política, como decidir sobre judicialização de algo que se sobrepõe aos direitos Humanos, não deve fazer pauta política.
Explico para quem não entendeu.
O Racismo, derivado dessa crença da existência de diferentes raças, é algo palpável e tangível na percepção física. Ele terá cor e cheiro na medida que nos deixarmos enganar por essa falácia sobre pertencermos a distintas raças.
A escravatura terminou por imposição política justo porque se determinou que não existe diferença fisiológica que diga que existem Seres Humanos de primeira ou segunda (terceira, quarta…) categoria.
(o mesmo se aplica à Xenofobia, ainda que aqui se possa adentrar já na questão do puro preconceito e fobia que alicerça e alimenta tudo o que a rotulagem (muitas vezes auto) induzida gera na Sociedade)
E da mesma forma que o maior combate que a Sociedade Humana travou contra ela mesma terá sido o Abolicionismo, nos dias que correm esse combate prende-se com o fim de Preconceitos enraizados sobre a identificação sexual do Ser.
A noção hetero-normativa já não faz parte de uma teoria onde a culpa do desvio se dizia ser doença.
A maior minoria ganhou os seus direitos não por se rotular como sendo coitadinha ou vítima da Sociedade, mas por lutar e fazer parte da mesma.
Como alinhavei na minha crónica ‘Pós Verdades’, o peso do preconceito existente nas palavras pejorativas que anos a fio agrediram homossexuais tornaram-se os seus nomes de guerra. Hoje – até num excesso espalhafatoso – ser gay é pride, orgulho.
Mas todo o orgulho tem um excesso.
A guerra ganhou uma cor política toldada de lados, é a Esquerda permissiva e Libertária e a Direita conservadora e casta.
A Comunidade LGBT(QIA+) perde-se numa crise onde a identidade é um género.
Não, não me enganei quando escrevi o título da crónica, é mesmo identidade do género, pois aquilo que hoje em dia se apresenta como proposta não é a pose delatora e assumida, um verdadeiro acto de coragem, que os actores de Pleasure Man, obra de Mae West, ostentavam ao serem presos vestidos em full drag na Nova Iorque de 1928.
Ali não havia leis para escolherem ser um género ou outro, protegidos de ser aquilo que eram ou bem poderiam fazer pantomima crítica de imitação. E foram-no face à adversidade, respeitados neste registo que ilustra o texto.
Identidade sem género. Apenas carácter.