“Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo a tua loucura há de zombar de nós? A que extremos se há de precipitar a tua desenfreada audácia? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem o temor do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem a expressão do voto destas pessoas, nada disto conseguiu perturbar-te? Não te dás conta que os teus planos foram descobertos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem? Quem, dentre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, onde estiveste, com quem te encontraste, que decisão tomaste? Oh tempos, oh costumes!”
O hábito Brasileiro de engavetar problemas prementes e situações constrangedoras serve um fito político quase que institucional. Se muitos veem nele uma falcatrua ideológica da direita golpista, há quem leia na escolha do momento certo para desengavetar uma opção política pura estelionato da dita Esquerda Democrática.
Quando a 20 de Agosto de 2015 o Presidente da Câmara de deputados, Eduardo Cosentino da Cunha, é denunciado ao Supremo Tribunal Federal pela Procuradoria-Geral da República por corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito da operação Lava Jato, fica claro que “Cunha busca usar a Câmara e os parlamentares como escudo”.
Não só o Procurador Rodrigo Janot dava eco e enfase à investigação, como logo depois, a 25 de Setembro, o juiz federal Sérgio Moro, enviava ao STF outro pedido para denunciar o deputado.
O Ministério Público da Suiça confirmava que as contas que Cunha havia negado serem suas a ele pertenciam e a delação premiada do ex-gerente da Petrobrás, Eduardo Musa, apontavam o deputado como a pessoa do PMDB que “dava a palavra final na Diretoria de Internacional da Petrobrás”.
Só que enquanto o “deputado-lobista” – como o seu ex-compadre-deputado Anthony Garotinho um dia o chamou – servia a pauta político-ideológica do Partido dos Trabalhadores as acusações que sobre ele recaiam mereciam igual tratamento e condenação que toda a operação Lava Jato: manipulação.
Tudo muda de figura quando a pauta político-ideológica do PMDB se altera e Eduardo Cunha aceita, a 3 de Dezembro de 2015, a denuncia para o impeachment de Dilma Rousseff.
Horas depois, mesmo tendo-se já passado 3 meses e 13 dias da denuncia original do Procurador Geral da República sobre Eduardo Cunha, o PT retira-lhe o apoio no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar
Ali o rito do impeachment de constitucional passa a golpe.
12 dias depois, no decorrer das buscas da Operação Catilinárias – nome inspirado nos quatro discursos do cônsul Romano Marco Túlio Cícero contra o senador Catilina -, Eduardo Cunho é finalmente investigado. Um segundo pedido de afastamento do cargo é submetido por Rodrigo Janot ao STF. Eduardo Cunha não é afastado, mas a 3 de março de 2016 torna-se formalmente arguido no processo Lava Jato. A apreciação do afastamento fica indicada para depois do carnaval.
Segundo a Esquerda que clamava o afastamento rápido de Cunha, o STF tornara-se braço político-partidário da oposição de Direita.
O processo fora engavetado.
Na verdade, indo à crueldade dos factos, tudo se processou com a frieza do tempo democrático que a justiça tem.
Se por um lado o rito processual do impeachment se viu rigorosamente e escrupulosamente cumprido por Cunha, ainda que o mesmo se possa categorizar como um crápula político da pior espécie, a decisão que o Ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki tomou, ao deferir a Acção Cautelar (AC) 4070 que o Rede Sustentabilidade apresentou como último recurso para afastar Cunha e inviabilizar todas as decisões por ele tomadas enquanto esteve no poder, caracteriza-se por ser um “acto histórico e de coragem”. Logo depois Zavascki aceita o pedido formulado no final de 2015 e afasta o deputado. Fala-se em golpe branco.
Se por um lado há quem questione a Constitucionalidade do acto de Zavaski, facto que o próprio alude no seu deferimento, a verdade é que seguindo a cronologia própria dos actos, o julgamento que dera entrada a ser julgado primeiro para ver afastado o Presidente da Câmara dos Deputados fora aquele submetido a 16 de Dezembro, não o que agora se formulava com a clara intenção de desmontar o impeachment da President Dilma Rousseff.
Cunha caiu, o rito do impeachment seguiu, o parecer foi aprovado 15 a 5.
Na gaveta nada fica, nada há a ‘temer’.
Mudam-se os tempos, mudam-se os costumes…
Oh tempos, oh costumes!
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