O mundo da Arte é sui géneris.
Se por um lado tenho esta firme convicção de que a Arte pode, de facto, aproximar as pessoas, provocando reacções, estimulando os sentidos, tornando-nos mais próximos, estabelecendo os laços que constroem a Cultura, vejo cada ‘obra de arte’ que me causa espanto.
E aplico aqui a palavra espanto com a sua etimologia espanhola de causar espanto e assombro como algo que me assusta.
A Arte constitui uma pedra basilar no nosso imaginário pois pertence ao panteão dos inalcançáveis.
Nem tudo o que se produz é Arte, ou nem tudo o que se propõe a ser Arte ali chega e se assume como tal.
Ser Arte, num estrito sentido de se definir como marco definidor de algo que se transmuta como pertença de um momento, estático, caduco ou perene, é algo que o mistério pode ajudar a dar resposta.
Na semana passada algo similar ocorreu.
Se a Mona Lisa de Leonardo Da Vinci, que hoje é, porventura, o mais famoso quadro no mundo, apenas ganhou essa notoriedade em 1903 quando foi roubado do Museu do Louvre pelo guarda nocturno Vincenzo Peruggia, com o intendo de o devolver à proveniência – Itália. Antes era apenas um reduto de beleza para intelectuais e próximos da Monarquia proprietária.
A Arte e cultura para as massas? “Comam brioches!”
Mas a adulteração física de uma obra, sobretudo pintura, é uma marca existente na cultura contemporânea.
Se o roubo de arte como flagrante delito já não é algo de apanágio social, agora a moda vigente é o “Yellowism“, um Manifesto Digital de rebeldia transformatória do artístico existente, criado por Vladimir Umanets e Marcin Lodyga, que vêem a arte como algo que está sempre em desenvolvimento.
Exemplo pragmático disso foi a vandalização da pintura Black on Maroon, 1958, de Mark Rothko, na Tate Modern em Londres. Umanets, o auto-intitulado criador do Manifesto rasgou com uma caneta e assinou o quadro, dizendo que este acto lhe aumentaria o valor, como se ele fosse o próximo Marcel Duchamp.
Só que os actos de apropriação e transformação de Duchamp eram analíticos e profundos, e não de vandalismo premeditado. Nem sequer existia essa visão assombrosa de adulterar um original único.
Pelo contrário. Criou o pensamento da cópia como linha de produção individualista, o Ready-Made.
Mas os “Já-Feitos” – ou previamente fabricados; são algo que nem sempre se espera ocorrer. Por vezes há a sorte de um azar para fazer do desconhecido famoso.
Um rasgo de génio. Ou a inépcia pronta a rasgar.
Da mesma forma, o quadro Renascentista ‘Flores’ do Italiano Paolo Porpora, seguramente desconhecido da grande maioria, ganhou o estatuto de reconhecimento por ter sido agredido.
Enquanto visitava a exposição Faces de Leonardo: Imagens de um Génio, um rapaz Taiwanês de 12 anos tropeçou e conseguiu rasgar o quadro avaliado em algo como 1 milhão e duzentos mil euros.
Sorte do rapaz foi o quadro estar assegurado e o Museu tomar responsabilidade pelo incidente.
Assim como o facto do moço andar a visitar uma exposição de pintura com um copo de refrigerante na mão…
Espantoso não?
Porque por vezes basta um rasgão para nos fazer mudar a perspectiva de tudo, e o incalculável valesse ainda mais.
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