Editar, confrontando a verdade que se alicerça nessa cronologia que não se esquece, é facto sobranceiro e merecedor de multiplicação. Assim Mário se edita inédito duas vezes esta semana.
Escreve “numa altura em que toda a esquerda se une em fremitos condenatórios contra Marcelo a Rebelo de Sousa, talvez valha a pena recordar o registo público at large do cronista e ver até que ponto a esquerda lusa é injusta para com um, afinal, um dos seus.”
“O poder político democrático (…) não pode demitir-se do seu papel definidor de regras, corretor de injustiças, penhor de níveis equitativos de bem-estar económico e social, em particular, para aqueles que a mão invisível apagou, subalternizou ou marginalizou.”
Foi assim na tomada de posse que o Presidente da República definiu a sua maneira de estar na política, na chefia do Estado Social de Direito, logo, no centro do poder político democrático que agora ocupa.
Marcelo Rebelo de Sousa, Doutor de Leis, só diz exactamente aquilo que quer dizer. O ter ido conjurar a magnifica metáfora de Adam Smith da “Mão Invisível” foi um desassombrado e intencional aceno à esquerda do socialismo real, que é agora um importante elemento da estabilidade governativa em Portugal. Terá sido um gesto tão significativo como as suas repetidas idas à Festa do Avante.
Tanto mais importante quanto é enunciado no início do seu mandato, no mais formal dos discursos, no mais solene pódio nacional. E Marcelo não só evocou aquela que é a imagem mais clássica do capitalismo. De facto, esconjurou essa imagem. Amaldiçoou-a pela associação directa com os mais desfavorecidos da sociedade. Repudiou o capitalismo ao associa-lo aos que estão “apagados”, “subalternizados” e “marginalizados” por causa da “Mão Invisível” smithsoniana. O elemento natural do capitalismo que o economista britânico do século XVIII descreveu em A Riqueza das Nações como a força do mercado livre que dá origem aos benefícios sociais, para o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa é o contrario.
É a origem das injustiças que têm que ser corrigidas nesta sua Quinta República com umas palmatoadas enérgicas nessa perversa mão de Adam Smith, que não se vê mas tanto se sente. E não teve medo de o afirmar. Nem medo de quem o compreendesse. Afrontou a que se julgava ser a sua audiência natural que é doutrinariamente crente na força irresistível da tal Mão Invisível, dirigindo-se exclusivamente aos que sempre rejeitaram essa via como forma de desenvolvimento e promoção humana e que, tal como ele, a consideram culpada por todas as desigualdades e injustiças. Foi como se o Professor Constitucionalista tivesse incluído no seu discurso inaugural uma transcrição do preâmbulo da Constituição da República Portuguesa que ainda nos define como estando a “(…) abrir caminho para uma sociedade socialista no respeito pela vontade do povo português (…)”.
Mas o povão é o que é. E não me parece que tenha compreendido este arrojado rasgo do Presidente. Não o aplaudiram cumprindo uma grosseria ritual desnecessária, que foi, sobretudo, injusta.
Mantiveram-se sorumbáticos à Esquerda sem aplaudir o que, sem sofisma nem ironia tem que se classificar como uma tirada realmente histórica. Ironicamente, à direita, os devotos da Mão Invisível desdobravam-se venerandos e obrigados em frenético e disciplinado aplauso à sua própria condenação. É o que temos.
Ainda segundo Adam Smith a Mão Invisível é um fenómeno natural que orienta os mercados livres e o capitalismo na competição por recursos escassos. Ora esta é a República dos Recursos Escassos onde tem havido tudo menos Mãos Invisíveis que nos conduzam aos benefícios sociais postulados por Adam Smith. Pelo contrário, temos as manápulas bem visíveis da Troika a sufocar tudo o que possa ser iniciativa privada deste povo eleito que o Presidente tão entusiasticamente quer remotivar. A questão em Portugal não são os deméritos da Mão Invisível. O problema é que a Mão Invisível, de facto, nunca aqui foi realmente sentida.
Mário Crespo
(texto inédito do autor, escrito aquando da tomada de posse do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa)
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