Sempre me avisaram que debater ideias, nomeadamente sobre religião, é algo que traz um risco acrescido.
A minha crónica está a demonstrar ser um ardil quase perigoso pelo escárnio que tenta induzir muitos em fazer crer que eu não respeito a Religião Católica por nela colocar uma farpa e ou satirizar em algum momento a sua imagem como tantos outros o fazem.
A publicação que originou esse longo texto prosseguiu ao ponto de um humorista dele fazer piada fácil e insultuosa. Verdade, mas quem acabou centro de debate fui eu.
Não escondo, e por ter vivido em Espanha, tenho um certo desprezo pelo que a Opus Dei representa enquanto uma filial do catolicismo de outrora. Vejo-a como as igrejas que cobram o dízimo em troca do milagre saudoso e imediato que atribui um lugar no céu para que o pecador seja logo absolvido.
Nada de novo sendo que o mal das religiões reveladas é a intransigência face aos homens: sendo elas a mensagem de Deus, não cabe aos homens mudá-la. Todas as concessões que sejam forçadas a fazer, têm como limite a palavra transmitida divina. E daí não conseguem sair.
Os aggiornamentos que vão fazendo é o mal menor para não desaparecerem.
Um dos interlocutores, desta feita mantenho-o anónimo como Senhor X (X, sendo que eu sou o F), tentou buscar um acto falho meu para demonstrar a minha ignorância ao identificar o lugar de origem da Inquisição como Espanha. O resto segue-se como transcrição possível de uma conversa peculiar mas interessante.
Debate de ideias e opiniões.
Fica o aviso de que não se trata de uma batalha em canal aberto sobre quem está certo ou errado, mas antes ter esta visão correcta de um Mundo onde a Ciência pode viver com o Mito e ainda assim se respeitarem sem que se questionem e busquem ultrapassar-se como razão de superior validez um do outro.
A Ciência é o concreto inabalável e o Mito – junto com a Crença, a Fé – são o que nos faz continuar apesar de tudo mais.
Agora não podemos seguir na noção persecutória de que na vida há Seres Humanos de primeira, segunda ou terceira categoria. Um pouco à imagem dilacerante dos países que constroem a nossa economia. Nem isso ou achar que as conquistas da Humanidade, apesar do tempo cronológico – esse conceito tão Humano como Natural -, não se podem reverter pelas opções que o Homem toma nas suas atitudes e decisões.
Sou, serei (até prova em contrário) um Democrata em absoluto. Não sou é um insensível que vive na tese dos números e excel, mas o concreto não é facto alternativo – teoria do copo meio cheio – e a prestação de contas existe. Vá, vivemos em Portugal, memória Jesuíta de Autos de Fé onde a justiça se cumpre mas tarda.
E assim andamos.
F: Senhor X, é verdade, a Inquisição, como grupo de instituições dentro do sistema jurídico da Igreja Católica Romana e cujo objetivo seria combater a heresia, começou no século XII na França para combater a propagação do sectarismo religioso, em particular, em relação aos cátaros e valdenses, mas no final da Idade Média e início do Renascimento, fins do século XIV e o fim do século XVI, o conceito e o alcance da Inquisição foi significativamente ampliado em resposta à Reforma Protestante e a Contrarreforma Católica, nomeadamente em Portugal e Espanha onde operavam tribunais inquisitoriais com princípios próprios derivado à dimensão e ajuste dos seus Impérios.
A mais cruel foi, sem dúvida a Espanhola. Nela, entre 1540 e 1700, os registos apontam para 44 674 casos, dos quais 826 resultaram em execuções e 778 em efígies (ou seja, quando um boneco de palha era queimado no lugar da pessoa).
Já na época mais terrível, a dos Autos de Fé – prática também comum a Portugal – entre 1701 e 1746 foram relatos 111 casos de pessoas queimadas em praça pública.
Evidente que a leitura que temos, e quem sabe a melhor, será a de um Cândido de Voltaire, sobre esta visão de se questionar a veracidade na Crença em Deus, na Igreja e na Fé, já que se para atingir esse Éden seria preciso morrer emulado.
Evidente que no século XIX, XX – e evidentemente hoje – muitos tentam descredibilizar ou refutar a Inquisição Espanhola como mero pé-de-página na História da Igreja, não vendo ali uma espécie de purga contra a diferença, o desvio ou o abominável sem justa justificação.
O facto é que foi.
João Paulo II pediu perdão por esse facto, mas isso não faz com que não tenham ocorrido ou que haja quem veja neles Fé de assentimento para seguir uma mesma linha de correcção e leitura.
X: Não sabia ser necessário escrever um livro para reconhecer a ignorância do que se disse. Não me parece adequado discutir a Inquisição aqui. Terei todo o gosto em fazê-lo em fórum próprio, se quiser.
F: Ignorância é tentar debater sem bases e ir ao ataque sem discutir o essencial. Se quiser falar sobre como a Opus Dei se desvincula do que uma Igreja supostamente contemporânea com o mundo em que vivemos se comporta, podemos seguramente conversar, agora se quiser usar um argumento raso para desmontar uma conversa com o João sobre a homossexualidade não ser uma abominação ou qualquer tipo de desvio natural, com certeza.
X: “Se quiser falar sobre como a Opus Dei se desvincula do que uma Igreja supostamente contemporânea com o mundo em que vivemos se comporta” – não me diga que o Francisco tem a pretensão de ensinar à Igreja, que reconhece o Opus Dei como parte integrante e amada de si mesma, quem ou o quê está de acordo com os ditames da tal Igreja “contemporânea”.
Para discutir o “essencial” deixo o João, que está muito bem. Eu apenas vim corrigir as imprecisões do Francisco. Não quero desmontar nada!
F: Senhor X e com isso ganhou uma lição sobre como a Igreja tratou os que considerou Hereges… Ou te convertes ou vais para a fogueira. Se não, um pouco de tortura.
Hoje em dia é bastante diferente, de facto os valores da Igreja Católica estão bastante de acordo comigo, aceito-os como princípio, não como fim, já que tenho esta estranha capacidade de não aceitar só por aceitar aquilo que me impingem como sendo verdade.
Assim, e porque Galileu Galilei já foi por vós perdoado, sei que a Terra é redonda, o Sol não gira em nossa volta e a gravidade é algo concreto (citei diferentes autores, não só Galileu, não me venha agora acusar de imprecisões Históricas…). Desta forma vejo na igreja actual uma capacidade em melhorar, mas em subsidiárias suas essa vontade em retorno de antiguidade que não ingressam em mais que pura retórica bafienta de ditos antigos que se perderam num tempo de cavernas escuras e sem luz…
X: Como deve calcular não me deu lição nenhuma, já que estudei a Inquisição não apenas na faculdade mas também por interesse próprio muito antes do Francisco me vir chatear com o que pensa ser um assunto que termina com qualquer católico.
Quanto ao resto do que escreveu, não vou ter uma conversa com uma pessoa que despeja chavões ignorantes à laia de grandes argumentos. Leia lá a história de Galileu, os números e a questão da tortura na Inquisição. Depois aprenda também aquilo que a Igreja ensina e não se fique por atirar para o ar que é tudo inquestionável ou que homens durante dois mil anos fizeram umas tais afirmações sem bases nenhumas. Depois aprenda o que é o Opus Dei e o que são as “cavernas” de que fala. Por fim aprenda que a Igreja defende hoje o mesmo que sempre defendeu e continuará a defender, sem tirar nem por: a Verdade. Aí podemos continuar a conversa. Até lá, passe bem.
F: Gosto de vê-lo crispado por ter uma singela conversa via caixa de comentário no Facebook. Faz-lhe bem demonstrar sim algo, quando tem de argumentar, e lembro-lhe que podemos estar aqui a conversar eternamente, pensa que fala com um tolo que atira conceitos e ideias. Pede-me que passe bem na certeza de que a Igreja defende sempre a Verdade.
Mas e se a Verdade está errada? E se ela for em si uma mentira.
Sabe, na minha mui curta vida aprendi algo: Verdade é a versão que os vencedores escrevem da História. Por tal, a Igreja só não se saiu vencida porque foi reescrevendo a sua Verdade, emendado muitos dos seus erros. Um dia destes será, quem sabe, porventura a Opus Dei, uma obra de Deus que não me lembro do Senhor ter feito, fez?
X: Verdade errada? Isso é um contra-senso. O que é verdade é verdade. Erro é o seu contrário.
A verdade não depende de mim, de si ou do Zé da esquina. Matar inocentes é sempre errado. Se isto fosse mentira, como era? Lei da bala?
Entre a Igreja – corpo místico – e Cristo – cabeça – não há senão uma só vontade e razão. Como tal, aquilo que é querido pela Igreja é querido por Deus. Aqui encaixa-se o Opus Dei.
F: Senhor X, então não? Verdades erradas: imagine-se que o Eixo ganharia a II Grande Guerra! Matar Judeus (et al) seria “normal”, uma verdade errada… que teria a igreja a dizer disto? Ou porque seria uma verdade desconhecida não se pronunciaria?
Não sei, como o silêncio duradouro – agora bastante quebrado com o Papa Francisco – sobre os abusos de menores por padres?
Lá está, as verdades incómodas, as verdades que não se falam, as verdades que se não fossem por ser de um vencedor, seriam esquecidas, camufladas, sendo em si mesmo erradas.
X: O Francisco está a confundir Verdade com aquilo que a maioria acha estar certo. A Verdade não depende da maioria. É sempre verdade que matar inocentes é errado, mesmo que a maioria pense o contrário. É sabido o trabalho da Igreja, nomeadamente de Pio XII, durante a IIª Guerra, para salvar os judeus. Hitler tinha inclusive um plano para matar o Papa e este tinha aprovado o tiranicídio, que falhou, de Hitler.
Francisco, Francisco, tenho estado a tomá-lo por um comentador sério e bem-educado, coisa rara nestes tempos aqui pelo mural do João. “Silêncio duradouro.” Com o Papa Bento XVI as dioceses americanas pagaram mais de 3 mil milhões de dólares em idemnizações. Com o Papa Bento XVI 847 padres foram laicizados e 2.572 suspensos de funções. Todos os processos diocesanos passam a ser obrigatoriamente comunicados e investigados pelo Vaticano para evitar que algumas dioceses escondessem o problema.
Com S. João Paulo II havia tolerância zero para os criminosos, “background checks” obrigatórios para todos os que lidassem com menores, restrições no acesso aos seminários e processos canónicos sérios que corriam em paralelo com os processos civis e criminais.
O Papa Francisco aumenta ainda mais a pressão. Sean O’Malley, já cardeal de Boston, passa a liderar uma comissão constituída não só por especialistas, mas também por vítimas, a fim de propor reformas para serem implementadas em toda a Igreja. Só nos Estados Unidos, três bispos foram demitidos por más práticas em lidar com estes casos.
Se isto desculpa o que aconteceu? Não. De todo. Nada desculpa o que aconteceu. Mas não venha chamar isto de verdade escondida.
É um facto que os abusos ocorreram. É horrível. Os homens da Igreja falharam os fiéis. Não pode voltar a acontecer. Mas está-se no bom caminho.
F: Senhor X tem muita graça confundir a verdade com aquilo que é certo, errado ou correcto, facto que faz com que a Democracia vá funcionando, sabe a vontade da maioria face à minoria derrotada. Nesse premeio entra a lógica daquilo que, como disse, é o certo, o errado e o correcto.
Eu não queria invocar o facto da Bíblia, por mais interessante e o maior respeito que se lhe deva, ser um texto interpretativo daquilo que de facto se passou. Existiu Jesus como figura Histórica, disso não tenho dúvida, sobre o resto levanto as minhas lícitas dúvidas.
Sobre o Mito da Criação, sabe, sou mais adepto da Origem das Espécies de Darwin e suas sucessivas revisões que nos demonstram cientificamente de onde vimos e, quem sabe, para onde vamos. Uma verdade consequente e não construída à imagem de um Mito.
Não significa que isto que não se possa ter respeito pelos ensinamentos da Igreja. Muito pelo contrário, deve ter-se, mas sempre com esse distanciamento daquilo que se consegue compreender como certo, errado e correcto.
Se hoje pensar nesse princípio da Humanidade, vinda da Criação Divina, Adão e Eva, Mulher feita de uma costela, filhos e prol de numerosos incestos (sim, se tudo começa de dois, onde está a prova de uma outra multiplicação que não seja essa?), é apenas um Mito que serve para descrever o pecado de Adão como a sabedoria que uma maçã teria – minha interpretação pessoal -, compreender a importância das sucessivas descobertas arqueológicas sobre de onde viemos enquanto Seres Humanos é muito mais verdadeiro, sendo a visão correcta. É científico.
Sobre a homossexualidade, penso que usando a mesma lógica conseguirá compreender, e mesmo aplicando o voto democrático, que o que antes era certo se viu errado para ser corrigido para correcto.
Agora imagino que dirá: Lá está o Francisco a ser confuso, misturando conceitos e ideias complexas. Só que é aqui que a sua verdade se demonstra. Enquanto eu estou sempre – que posso – aqui a demonstrar-lhe o que a dita maioria logrou ao longo da História da Humanidade, você centra-se sempre num passado histórico que se prende com o protecionismo e medo da evolução.
…
Nota:
Traduttore, traditore. Eu denomino ‘a’ Opus Dei como a Instituição enquanto o meu interlocutor o faz como ‘o’ Opus Dei em latim, o trabalho de Deus.