Ainda sou do tempo das canetas Molin. Mais, sou do tempo em que se acreditava serem tão estrangeiras que não era Môlin mas Mólã.
Eram os anos ’80, esperança futura é exagero, canetas em pacotes de 100 e lápis designados “cor-de-pele”.

A noção atribulada do preconceito que hoje se tem não era uma imagem tão presente e, vivendo nós – eu que naturalizado brasileiro nasci e cresci em Portugal – numa Sociedade predominantemente caucasiana, a existência de um lápis com uma cor que se assemelharia ao que acreditava ser a cor da minha pele era bem mais prático que pintar a minha Família em tons de rosa pastel ou, à falta dele, pink passion.
Mas a verdade é que a pele, ao ter a sua coloração, não se reduz a um nome num lápis.

Em determinado momento aquele lápis desapareceu e os meus bonecos eram um misto de rosa, amarelo e todas as cores que encontrava, sempre em busca da proporção certa para me rever, mal sabendo eu que a política dos Direitos e Liberdades se havia metido pelo meio.
Eu prescindi (forçosamente diga-se) de ter aquela tonalidade para que a integração fosse uma realidade. Lembrando que estamos só e apenas numa caixa de lápis.

Race.jpg
Anúncio da marca Crayola, relatando a alteração realizada no nome do lápis de cera, de ‘flesh’ – carne – para pêssego, já em 1962. Aqui em Portugal o facto tardou até aos anos 1980.

Mas a relevância desse lápis é maior.
Foi graças a esse lápis que comecei a perceber algo que hoje se perde para transformar em algo nefasto: os Direitos Humanos não têm ideologia ou cor partidária.

Quando o espectro das sete cores do arco-íris começou a ganhar o respeito que Stonewall lhe logrou, não foi para que os Direitos das minorias LGBTQ se vejam reféns de uma certa Esquerda que os usa como arremesso político.
E visto com distanciamento, nem o seu contrário, numa Direita de conservadorismo opressor.

A conquista de Direitos Fundamentais, onde o Respeito pelo Indivíduo é a base que estrutura o funcionamento da Sociedade Humana – e em última análise é o que lhe agrega valor – não pode ser partidarizada como de uma luta se tratasse. Muito menos após o facto ocorrido.
Mas é justo por isso ocorrer, por essa imposição do estilo e não da substância, que a publicação de duas capas com dois casais homossexuais a beijarem-se está a revelar a hipocrisia latente de parte desta Sociedade silenciosa.

E não precisa ser um tema que me diga respeito de alguma forma pessoal. A incompreensão de quando nos tiraram aquele lápis é muito superior a uma cor. Ele é a Raça, as Etnias, o respeito pelo indivíduo. E a alguns fez muita falta. Até hoje.
É ler quem defendeu o Eurodeputado socialista Manuel dos Santos quando este chamou uma deputada do PS de “cigana”.
Ou no passado quando o pasquim Correio da Manhã tentou retirar à mesma expressão o ónus que ela carrega quando se descreve alguém dessa etnia.
Isso sem falar quando se usa o termo “preto” com o intuito discriminatório na dita Sociedade Ocidental Caucasiana. A escravatura parece facto inexistente ou a descolonização, algo que a ter ocorrido, é um dos orgulhos Nacionais.

Mas o facto – e isso apenas pode ser bom – é que todos têm Direito à sua opinião.
Eu delicio-me a ler as caixas de comentários um pouco por toda a imprensa. Se antes eram pastilhas Rennie, agora são palas nos olhos e mentiras sobre factos.
Mas se o Direito à opinião é de todos, porque só um lado pode ter razão?
E pior, porque é feito o uso – primário – ao escárnio, maldizer e vilania do palavrão e insulto quando o argumento é, na maioria das vezes, inexistente.

Já sei, afinal os lápis cor-de-pele não acabaram. São é agora usados para escrever comentários.

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