Nada ocorre por mero acaso.
Há alguns anos, quando ainda estudava arquitectura, escrevi um texto dedicado àquilo que designei ‘memória sensitiva do lugar’. Basicamente tratava de demonstrar, citando o acto ocorrido no ano anterior, do impacto que um determinado momento histórico – no caso o 11 de Setembro – marcaram não só o espaço em que tal evento ocorreu, como a memória de todos aqueles que o assistiram em determinado local, guardando em si de forma permanente esse registo.
A verdade foi tão sintomática que a memória sensitiva dessa ocorrência permaneceu num só lugar. Em 2001 e até hoje foi Nova Iorque, Ground Zero, no Remembrance feito e evidenciado por tudo aquilo que se reconstruiu em solene homenagem, na ausência respeitosa de algo que a memória guardou sem querer – nem dever – poder nunca apagar.
Hoje, e porque nada deveras ocorre por mero acaso, lembrei-me desse curto texto.
Não, não foi pelo que escrevi sobre uma casa na Lapa. Foi antes pelas mudanças políticas que se insinuam pelas democracias mundiais, desmemoriadas, reduzidas a meros actos.
Estas Cinecittàs em que vivemos, numa homenagem ao recente referendo Italiano, tão expressivo sobre aquilo que as pessoas sabem não querer, demonstrando uma amnésia sensitiva dos actos, julgadora de algo rumo à preferível incerteza que à permanência na insustentável corrupta segurança.
A questão subjacente à revisão do meu texto original sobre a memória do lugar passa por designar essa ausência de sentimento na representatividade que o acto político tomou. É a resposta ao imediatismo do problema, tão populista quer de um lado mais conservador, socialista e/ou democrático, quer dessa programática eleitoralista de escape que se insurge no sistema actual.
Seja uma Extrema Direita Austríaca (que felizmente perdeu), uma Frente Nacional Francesa, um Beppe Grillo Italiano, um Podemos Espanhol, até um Trump vencer na maior Democracia em liberdade, tudo se resume ao dito escapismo cenográfico de um romantismo de algo que não passa de uma ficção.
Tudo é momentâneo e nada se oferece como um plano credível ou sustentável de forma real ou pragmática a longo prazo.
Facto ou ficção, a vida não se deve viver no longo prazo senão no amiúde do dia-a-dia, prevalecendo sempre a memória sensitiva quer do acto quer do lugar.
Pena é a amnésia do medo que impera e serve de fuga momentânea.
Republicou isto em O LADO ESCURO DA LUA.
GostarGostar