Surgiu esta semana uma grande polêmica em torno de uma casa na Lapa.
Serei mais concreto, em torno da demolição de um antigo Palacete na Rua da Lapa, nº 69, uma extensa esquina onde uma invulgar casa se erguia fora da cércea habitual da malha urbana que o bairro foi tomando, e que, tanto pela sua característica chaminé, como pelo revirar do remate externo das telhas, se destacava num quarteirão já desde logo martirizado por obras que o Estado Novo edificou sem grande afã estético.

Não fosse o facto de eu viver próximo desta casa, ou mesmo pelo facto do arquitecto, autor do projecto que agora a demoliu para construir no seu lugar algo que dedicarei algum tempo a analisar, foi meu professor de 5º ano no curso de Arquitectura, porventura não teria o impacto real que tem em mim.

Falo de Manuel Aires Mateus, em 2005/2006 quando terminei o curso tirando 18 valores na sua cadeira de projecto, uma das novas estrelas/esperanças da nova vaga da Arquitectura Portuguesa. A verdade é que ele e o seu irmão Francisco o foram e são.
Sobre a sua carreira meteórica recheada de extraordinários projectos, sempre notáveis, nada tenho a apontar senão sempre a mesma crítica, crítica essa que trago desde os tempos de Faculdade quando aquilo que via, repetidamente, nos seus projectos – quer em equipa, quer a solo – segue sendo a sua única e maior fraqueza.
No projecto que agora apresentam para esta casa na Lapa fica tão patente que não há volta a dar-lhe.

Poderia entrar numa (a)crítica postura sobre a legalidade subjacente à aprovação e ao status de quem a consegue para lograr demolir um palacete do séc XVIII já depois de existir um parecer contrário, mas isso é jurisprudência que não me cabe, caberá aos tribunais se a isso chegar.
Prefiro olhar como aluno que vê num professor crítico e instruído um projecto que se apresenta medíocre e sem tacto algum face a uma envolvente que grita perante aquilo que a ela se assolapa.

A maior fraude que todos os professores de projecto ensinam aos seus alunos é o ‘conceito’. Esse sofismo sobre o qual um projecto tem de nascer como se a sua existência material e física dependesse de uma narrativa poética Camoniana.
Não depende. Isso existe para quem pretende (ou pode) traçar aquilo a que se chama o gesto do arquitecto, uma assinatura que prevalece sobre a envolvente ou entorno.

A dupla Aires Mateus têm como assinatura e gesto o perpétua conceito do positivo/negativo, cheio versus vazio, sendo magnânimos quando se tratam de projectos de excepção mas completamente autistas quando são projectos de pequena escala.

Enquanto a sede da EDP ou os seus projectos de casas isoladas permitem-se existir como entidades autónomas, desligando-se de uma qualquer pré-existência, o projecto agora apresentado varia entre uma má proposta académica de 2º ano ou construção desqualificada em área suburbana.
Não o digo acriticamente. Certo é que analiso com base numa única imagem, mas a verdade é que desconstruindo aquilo que se vê sobram resquícios de um soco de pedra onde quatro andares sucessivos se sobrepõem nessa temática do desencontro de vãos onde a privacidade se faz refém dos cortinados.

MATEUS original.jpg

E aqui está a maior fraqueza arquitectónica da dupla. Eles têm sempre a mesma retórica conceptual quando fazem os seus projectos, virados sobre um isolamento ‘umbigista’, não sabendo dialogar com a existência. Fazem poesia e prosa desse conceito na vã exploração do espaço, esquecendo a existência do Ser que o habita.
Tudo é gráfico, nada é Humano.

MATEUS.jpg

Sei que por vezes não aparento, mas na vida real, onde já nem sequer pratico, ainda sou Arquitecto.
Dito isto assim, peguei na imagem que circula nas notícias. Redesenhei a minha versão em harmonia com o existente mas em diálogo com uma modernidade contemporânea. Fiz do Palacete, Palácio. Inverti o soco de pedra tradicional e tornei-o pedra de fecho superior enquanto o existente se renova com azulejaria portuguesa versada na cidade que se abre sobre o Rio.

Eu dou uma resposta, mas restam-me perguntas.
Porquê dialogar com o existente, confrontá-lo, agregá-lo, preservar até os interiores?
Porquê guardar algo de valor quando o deita abaixo é mais fácil e simples em detrimento de se deixar a assinatura do arquitecto?
Porque raio usar sempre os arquitectos de um sistema em que as ilegalidades logram ser aprovadas e não outros?

Já sei, esse não era o tema do texto, senão estaria a escrever sobre política e diria que vivemos tempos Socialistas…

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