Introdução

Parece que o mundo está numa flagrante e contagiante, quiçá, inigualável mudança.
As questões Humanitárias, factor sobre o qual verso de forma permanente n’afarpa, são temas aos quais não fico indiferente.

O último texto  que escrevi, uma mordaz crítica acerca de um determinado fervor religioso que se faz sentir sobre a a orientação sexual de uma franja da sociedade, fazem-me agora querer abrir um pouco mais do livro da minha própria vida, não só pelo facto de eu ser também um privilegiado em ser visado na suposta contra-naturalidade dessa orientação que a todos um Ente Superior nos guia, mas porque nascer com essa consciência não nos traz, em Sociedade, uma clarividência para aceitação pessoal.

Ter que ver videos como os da psicóloga Cristã Maria José Vilaça, com todo o mérito e respeito que possa ter a sua pessoa, são um agravo à sua profissão e a toda uma luta que por séculos destemidas pessoas lutaram por fazer demonstrar que a orientação não é doença, demência ou acto de insanidade ou loucura.
Ser-se homossexual, ter uma tendência ou escolha por bissexualidade faz parte inerente ao ser.
Pode que não exista uma comprovação cientifica do facto, mas a lírica da História Universal aqui nos trouxe, e não será agora, por mentes inglórias que um retrocesso ocorrerá.

É certo que as paradas de orgulho Gay se tornaram em deboche e a sua mediatização se desvinculou do acto de defesa político de outrora, mas o poder subjacente mantêm-se.
É parte do circo da mediático deste mundo acrílico das sucessivas Primaveras onde nada parece ocorrer mas tudo se passa.
Mote para estas páginas do meu diário adolescente? – três textos – imagens por mim apropriadas de uma campanha da Chanel censurando imagens pornográficas gay onde substituo o nome da marca por ‘choice’, escolha, pois ali, no enredo de se deixar expor, fotografar, está uma escolha. Ser-se algo que se é, não.

PROMISCUIDADE CONTINENTAL

Poder-se-á dizer que uma das grandes forças motivadores da consciência humana é a libido, e na sua vertente mais explicita o sexo. É ele que infecta o pensamento alheio, produz a descendência e que rege a sorte que o Homem tem num primeiro encontro com um parceiro que se vislumbra atraente. Na verdade, e sem ser o chavão pluralista da existência humana, é pelo sexo e com ele que nos regemos e vivemos.
Mas será que o sexo em si tem uma importância além-fronteiras que quebra os parâmetros existencialistas do ‘nós’ [no caso individual do ‘eu’] e tem esse poder de comandar as funções psíquicas que ordenam o nosso ser e obliteram a capacidade de raciocínio individual do ‘nós’ partilhado?
Ou será que apenas vem como um apêndice fisiológico de uma necessidade básica humana?

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No fundo o sexo é o acto partilhado. Sem partilha o acto sexual transforma-se em fantasia por concretizar ou em masturbação ‘per se’. Na conjugação verbal, sexo seria plural e nunca singular. Mesmo com recursos laboriosos a instrumentos de prazer físico e mental, a acção sexual apenas é considerada como sendo sexo a partir do momento que envolve mais que um grupo singular, um individuo.
Mesmo que a fantasia alargada passe pela função individual, e pelos receios exacerbados da sociedade vigente, a masturbação mesmo que por forma partilhada intelectualmente [seja por auxílio visual, seja por proximidade física sem contacto directo] não perfaz que o acto possa ser considerado como sexo. Não deixa de ser sexual e com o carácter individualista de que uma promiscuidade é, mas mesmo assim não o classifica como sendo o acto produzido pela junção física e mecânica de dois corpos que se atraem.

Antes de divergir o tema para a questão do que é a atracção física, mental e sexual, explicita-se o verdadeiro significado da promiscuidade continental. Na sua essência escrita, analisando o título, uma promiscuidade continental pressupõem que ela, a promiscuidade, estará relacionada a um continente, ou de forma mais analítica, ao ser como individuo. Em maior ou menor medida todos temos um grau de promiscuidade. Aquilo a que de forma simplificada se pode chamar a capacidade de ‘oferecer’ o corpo às práticas sexuais individuais, partilhadas, ou meramente psicossomáticas.
Assim pode-se dizer que ‘cada homem é uma ilha’ – no caso um continente; e que a sua abordagem promiscua é relativizada ao seu ‘eu’ interior. Dito isto de forma tão branda, reduz-se a situação a um chavão neo analítico de simplificação factorial do que são os sentimentos, vivências e formas de estar.
Que todos somos diferentes, isso já é um factor adquirido, incontestável e incontornável. Ainda assim, existe a velha máxima de que, por semelhança física, os homossexuais ao conheceram à priori melhor, e de forma mais consciente, o corpo do seu companheiro que um casal heterossexual que parte para a descoberta do oculto e desconhecido aquando do primeiro contacto físico, estarão mais preparados ou aptos para o acto em si.
Falsidade total. O corpo de outro, mesmo que do mesmo sexo e com evidente semelhança, será sempre diferente do nosso. Podemos ser fisicamente iguais, e termos as mesmas funções biológicas, mas a parte intelectual, sentimental e até certo ponto sensitiva, varia de ser humano para ser humano, de biótipo para biótipo.

Se cada Homem é um continente, então todos somos continentes distintos, mas com a falácia existencial de não deixarmos de ser continentes. E se a promiscuidade é relativa para um continente, em maior ou menor grau, também o é para outro continente.

Mas formalizando as coisas, e dando um formato mais próximo da realidade; no meu caso específico, vejo a minha promiscuidade continental pela abordagem de ter dois polos, divididos entre dois continentes diferentes, em que, enquanto num mantenho uma postura de exclusão e afastamento físico daquilo que o sexo é e pode ser, no outro tenho uma postura mais relaxada, ‘oferecida’ e aberta às diversas experiências, propostas, e multiplicidades sexuais que o ‘sexo’ tem para me dar.

Apesar de por vezes ainda ter essa ambiguidade do gostar, e abrir a minha panóplia sexual a mais que um ‘sexo’ especifico, isso não faz de mim um promiscuo, leviano, que anda a deixar, ser e estar ‘comido’ e atacado por um terceiro conjugal.
Talvez o medo da entrega realista e concreta do ‘continente mãe’ e não daquele em afastamento irrealista, façam com que eu tenha um maior respeito; ou temor, na entrega física com um parceiro sexual. Desta forma divido-me nesta dicotomia engenhosa de ser uma personagem quase que assexuada no ‘continente mãe’ e um promiscuo oferecido e sexualmente activo e produtivo no ‘continente afastado’.

No fundo é o afastamento e irrealismo subsequente que permite uma entrega despreocupada dos bens físicos em detrimento dos valores morais. Existe a noção do desconhecido e relativização da importância do ‘eu’ como percebido pela sociedade circundante, que no ‘continente afastado’ é passada para segundo plano. Não importa mais o que o outro pensa, uma vez que o respeito por mim sentido, não é adulterado como no ‘continente mãe’, onde a presença física e material de uma entidade julgadora [mesmo que fictícia] está patente.
Não é a aceitação da culpa moral de uma escolha sexual ou postura perante um meio social, é sim o medo de perder os valores perante esse meio social, julgador pela presença com que existe no meu ‘id’ interior. Ele não existe mais que na minha mente, julgadora pela pré-formatação emocional a que estamos expostos no desenvolvimento e maturação físicos.

Mesmo não me sentindo preso a um conceito preconceituoso do que é percebido por uma sociedade mental julgadora, não encontro paralelo sobre a minha persona nas pessoas com quem me cruzo. A falta de seriedade emocional em detrimento do encontro fugaz do sexo pelo sexo – como acto de partilha a dois do corpo individual de cada um; cria um afastamento ‘societal’ em mim, e por conseguinte, uma falta de interesse na entrega e partilha do relacionamento a dois.
Consequência directa: isolamento continental materno. A vida no seio parental de uma mãe que exerce a importância feminina – a mãe é a mulher mais importante na vida de um homem; e por conseguinte, estanca a possibilidade de fuga sentimental num interesse assumido por terceiros.

Mesmo que a figura não seja feminina, na pose de mãe, a relação patriarcal da família enquanto ente julgador das acções fisiológicas de um filho, é suficiente para criar uma quebra no interesse e atracção relacional com o sexo atractivo.

A solução, se ela fosse possível, viável, ou mesmo assim concebível, seria a criação do ‘continente afastado’ dentro do ‘continente mãe’. A acreditação emocional do ser como adulto sexual, em detrimento da infantilização mental do ‘nós’ como ser protegido e co-dependente do sexo paternal.
A interiorização desta consciência meramente produz a sexualidade infantil do interesse pelo sexo como vislumbre do amor familiar, normalmente relativizado nos rapazes pela sua mãe e nas raparigas pelo pai.

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