(continuação do texto anterior)
Há quem diga que a sexualidade não se escolhe. Está latente em nós, e de alguma forma, quer genética quer hereditária, já ‘foi’ pré-seleccionada e sobre a qual não temos direito de escolha. É nossa.
Mas será que uma escolha consciente sobre a sexualidade não é possível? Mesmo que para isso seja sonegada para segundo plano a vontade física e mental que o corpo exige de nós.
Se assim o for, e ainda nesta sociedade preconceituosa, quem no seu perfeito juízo escolheria por uma sexualidade considerada desviante? Quem viveria a sua sexualidade de forma permanente e completa se isso fosse visto por olhares julgadores e reprovadores?
A verdadeira questão, a génese do problema é identificar o que é afinal uma sexualidade desviada. Ou então o seu oposto; o que é uma correcta sexualidade? Qual é a lei mental que nos diz que um tipo de comportamento sexual é mais correcto e honesto que outro que não o é considerado como tal?
Porque é a heterossexualidade vista com bons olhos pela sociedade, enquanto comportamentos de outra espécie, nomeadamente de cariz homo ou bissexual [apesar de que este último consegue anexar o factor heterossexual à sua génese] têm uma carga negativa conotada com eles. Será que apenas é bem visto o factor reprodutivo como forma correcta de sexo, mesmo quando fazemos da protecção sexual uma das maiores prioridades contra o objectivo ‘correcto’ proposto?
Com certeza haverá comportamentos sexuais que de facto desviam para um sítio escuro das nossas mentes, sobre o qual o sentido emocional tem um juízo, mesmo que inconsciente, de valores que nos indicam que determinada opção ou atitude são errados.
Podemos não compreender uma opção homossexual, mas no seu direito a respeitamos enquanto ela não se cruzar na nossa vida privada. Mas pelo contrário, a questão do incesto directo ou a violação de menores são temas sobre os quais, apesar de questões étnicas e culturais, se concorda serem errados.
Existe uma pureza intelectual inerente a todos os seres humanos que indica o que está certo ou errado. E mesmo que não se tenham cometido ditos comportamentos ou vontades, sabemos à priori de que são inomináveis pela sua génese física, emocional ou intelectual.
Apesar de se conseguir desculpar em situações pontuais especificas o incesto, a pedofilia como crime de sanidade mental nunca é compreensível para a maioria de nós. Não é só pelo acto em si, mas pela vontade doentia em praticá-lo. O que levanta de novo a questão sobre se existe uma escolha sexual consciente, ou se de facto as vontades já estão pré-seleccionadas na nossa génese e ADN.
Por vezes fico a pensar se seria capaz de levar para a frente uma vida de mentira, imagem e representação, aparentando ser algo que não sinto ser. Mesmo tendo a capacidade de o fazer, e até certo ponto encontrar gosto no próprio acto, será que compensa viver à margem de mim em detrimento de não ser considerado um desvio? Como se pode optar por um dos ‘continentes’ sexuais sem que de alguma forma se fuja de nós próprios, ou de quem nos rodeia. Será que de facto um recomeço vivencial pode fazer ’tábua rasa’ do passado que uma escolha implica?
A alteração de morada, mudança de cor de cabelo, presença física, e forma de estar mudam na verdade aquilo a que estamos predestinados a ser, ou apenas servem como uma fuga emocional para aquilo que sabemos ser inevitável?
Tive a oportunidade de ter esse recomeço – partir do zero, mas na verdade não passou de um seguimento daquilo que sou. Ou na verdade acho querer ser. Mesmo sendo um dos ‘tais’ que se inclui num grupo que vive de dizer ser de comportamento desviante, o meu comportamento normal já por si é visto como desviante aos olhos de terceiros.
Como fui educado sobre essa temática, ‘não é defeito, é feitio’, não se nasce sem ter algo em nós além do que aquilo que a nossa ascendência lá deixou. Por isso apesar de genericamente sermos todos iguais nas habilitações físicas, somos todos diferentes (e até alguns distintos).
Podemos tentar equiparar-nos e até encaixar em padrões pré-estabelecidos, mas na verdade cada um é como cada qual, e sem querer cair no chavão óbvio, não é por comportamentos desviantes que a identificação na génese sexual fica mais fácil ou óbvia. Lá porque conhecemos o próprio ‘continente’ onde vivemos, não significa que o que está mais próximo também é igual. Talvez por isso na nossa inconsciência vivencial façamos escolhas que estariam previamente determinadas. Porque senão, quem no seu perfeito juízo quereria ser incluído num grupo desviante, se aquilo que se quer é andar de acordo com o padrão pré-estabelecido?