O sintoma agreste de que a Sociedade Livre e Democrática busca culpados pelos seus actos falhos é espelho do relativizar que as últimas décadas assistiram numa ausência do amadurecer do que se suporia ser a Democracia plena.
A toda a crise que aflige pequenos e grandes, aos países desenvolvidos e em desenvolvimento, a resposta contestatária que exclui a responsabilidade do acto surge com esse ‘internacional’ de uma crise que nenhum dos envolvidos se viu como causa, causador ou responsável por causar.

As Democracias que antes muitos se orgulhavam por se deliberar ser suas são agora espiolhadas como se deles não fossem. Ou a serem são colocadas como a responsabilidade acromática de uma partida de xadrez que o oponente perdeu num xeque-mate manipulado.

Quando a 25 de Abril de 1974 o Movimento das Forças Armadas depõe o regime ditatorial de então, exilando Marcelo Caetano e colocando a Junta de Salvação Nacional no comando do País, mal sabia que durante os próximos dois anos, durante o PREC, as forças políticas da Esquerda Comunista iriam tomar para si os louros de serem eles os donos da Liberdade Democrática que desabrochava em Portugal.
Nesse período em que o Processo Revolucionário em Curso decorreu a economia Portuguesa, já de si frágil, viu os seus integrantes nacionalizados, expropriados e sujeitos a uma Reforma Agrária coerciva.

O seu fim deu-se com o 28 de Novembro de 1975 quando o VI Governo Provisório retoma as suas funções e a Assembleia Constituinte, o PS, PPD e CDS acusarem o PCP de estar envolvido na tentativa de golpe militar falhado três dias antes. O verão quente terminava com Álvaro Cunhal a reconhecer a derrota sofrida pela esquerda revolucionária apelando à “unidade das forças interessadas na salvaguarda das liberdades, da democracia e da revolução”, mas fazendo do 25 de Abril a Liberdade que a Esquerda trouxera.
Era uma fraude. Continua a ser.

A Liberdade que se conquistou nesse dia de Abril, nesse longínquo ano de ’74, quando a ressonância da palavra Democracia ganhou um eco revolucionário de liberté, égalité, fraternité não vinha com recibo de posse partidário. A queda de alguém não pressupunha a ascensão de outro que se legitimá-se como detentor daquilo que a todos pertence.

Era Marcelo Caetano um ditador? Per se talvez, num todo nunca. As suas dúvidas sobre o que a dita Democracia plena gera, nesta universalidade legítima do voto popular, são coerentes com tudo aquilo que hoje se assiste.
Exilado diria:

“Em poucas décadas estaremos reduzidos à indigência, ou seja, à caridade de outras nações, pelo que é ridículo continuar a falar de independência Nacional. Para uma Nação que estava a caminho de se transformar numa Suiça, o golpe de Estado foi o princípio do fim. Resta o Sol, o Turismo e o servilismo de bandeja, a pobreza crónica e a emigração em massa”. Acrescentando que “Veremos alçados ao Poder analfabetos, meninos mimados, escroques de toda a espécie que conhecemos de longa data. A maioria não servia para criados de quarto e chegam a Presidentes de Câmara, deputados, Administradores, Ministros e até Presidentes de República”

Olhar para Portugal hoje é ver espelhada essa realidade.
Olhar para o Brasil também. Já não mais se está perante esse anseio Democrático ‘esculpido em carrara’, antes ‘cuspido e escarrado‘.

ABRIL.jpg

Concretizar que a Sociedade do minimo denominador comum, do facilitismo e do populismo em vez do popular, da Cultura e não da Arte, do ensino e não da educação, do dinheiro e não dos princípios, mina tudo e todos.
É que esse voto unânime e total, a escolha popular e de índole democrática, é a dona de todos nós.
Se é ela que está mal, o mal está em nós.

Repensemos o cravo vermelho.
Repensemos Abril.
Parágrafo, travessão, capítulo primeiro: Era uma vez, num longínquo país, um dia chamado 25 de Abril…

ilustração de António Pilar para a Le Cool Lisboa

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