O que ocorreu no Hospital de São José, no passado fim de semana, com a irresponsável – e inacreditável – falta de equipe médica neurologista para realizar a cirurgia de um jovem de 29 anos, David Duarte, com um aneurisma cerebral e, que por tal, causou a sua morte, revela não só o Estado de Sítio a que o País das políticas de contenção chegou, mas de toda uma teia de alienação Humana a que nos cingimos sem ter noção de como nos comportamos, ou sequer importamos, relativamente ao nosso semelhante.
Claro que podemos entrar na chicana política, nesse facilitismo de dizer que foi quem antes de nós veio que causou o problema que não tivemos tempo de resolver, mas isso, per se, não resolve nada. E não resolveu. O David morreu.
A carta tornada pública, escrita pela namorada do David, mostra justo isso.
A carta não é escrita por alguém que desconheça o funcionamento do Serviço Público de Saúde. Nem sequer por alguém sem capacidade ou conhecimentos emocionais para se fazer entender na dor e sofrimento frente a uma máquina Estatal sem face.
Ler o que Elodie Almeida, de 25 anos, escreveu é compreender algo que nos afecta a todos e já nem sentimos fazer parte de nós.
Vivemos alienados de nós mesmos, desse nosso eu visto no outro.
Custa-me a acreditar, mesmo sabendo das restrições orçamentais postas em prática pelo anterior executivo, que não exista um coração que bata e se faça sentir bater perto de um Ser Humano em situação de necessidade quando às urgências chega já num quadro clínico de enunciado grave o suficiente para o colocar entre a vida e a morte.
Custa-me a acreditar, mesmo sabendo que os médicos neste regime de contenção de gastos estão em voluntariado, que não exista um coração que bata e se faça sentir bater perto de um Ser Humano que no decorrer de dois dias foi entrando num coma de morte concreta sem retorno garantido.
Custa-me a acreditar, mesmo sabendo que este novo executivo mandou suspender tudo e qualquer custo que prejudique o malfadado défice de 3%, que não exista um coração que bata e se faça sentir bater perto de um Ser Humano que finda a barbárie morre pela alienação capitalista de todos.
Será que apenas a retribuição monetária interessa perante a vida?
Será que a saúde já não tem lugar nessa noção Europeia do Direito a Direitos?
Será que o Estado Social existe?
Ou de facto é mera coincidência oportuna para o ocaso do anterior executivo e benesse do actual? É tudo jogo sujo de interesses e a vida não passa de um número tatuado num braço, de um código de controlo, dessa soma contabilizada a rectificar num calculo de Excel.
Alienados no tempo, nesse tempo que a todos nos irá engolir.
“Do pó vieste e ao pó retornarás”
(Gênesis 3.19)
1 Comment