Ela acredita em anúncios, acredita em notas de esclarecimento, acredita até no Ministro da Economia.
Depois que foi localizada, a velhinha de Cuba, coitada, não teve mais sossego.
Todos os dia batem à sua porta para saber que canal ela está a olhar, que produto ela está a usar e se a explicação do Governo sobre o último escândalo foi convincente. Ela sempre diz que foi.
Algumas agências de publicidade estão incluindo no seu approach de marketing um “Velhinha Factor”, ou a questão: isto passa pela velhinha? Muitas entidades públicas e privadas mantêm a velhinha sob constante observação. Fala-se mesmo que existe em Cuba uma unidade médica em prontidão permanente, exclusivamente para atender à velhinha em caso de mal súbito ou escorregão.
Há uma convicção generalizada de que, quando a velhinha se for, tudo desmoronará.
A boa saúde da velhinha interessa tanto ao Governo quanto à oposição responsável.
Se ela morrer – ou deixar de acreditar; teremos o caos, que não convém ao projecto político de nenhum dos lados. Quando Passos Coelho e Costa se encontrarem e um perguntar como vai a saúde, não estarão a referir-se nem ao outro, nem a Portas. Estão a falar da velhinha de Cuba. Só a velhinha de Cuba nos separa das trevas.
Por isto, segundo o Correio da Manhã, o SIED decidiu intensificar a sua vigilância sobre a velhinha e um agente disfarçado de funcionário da Meo bateu à sua porta, há dias. Foi a própria velhinha, um pouco irritada com as constantes interrupções do seu tricot e do seu programa na TV, quem atendeu.
– Que é?
– Vim consertar o telefone.
– Eu não tenho telefone.
O agente pensou com rapidez.
– Vim instalar o telefone e depois conserta-lo.
– Mas eu não comprei telefone nenhum.
– Deve ser presente de alguém.
– Quem me daria um telefone de presente?
– Alguém que está a tentar ligar para cá e não consegue.
A velhinha acreditou. Mas pensou um pouco e decidiu:
– Se ele já vem estragado, eu não quero.
E fechou a porta. O agente entrou em contacto com os seus superiores. Recebeu instruções para adoptar o Plano de Contingência B. No dia seguinte bateu à porta da velhinha vestido de mulher e apresentando-se como divulgadora de produtos de beleza. Apesar do bigode e da barba, a velhinha acreditou. Deixou-o entrar e enxotou um gato de uma poltrona para ele se sentar.
– Estamos a lançar uma linha de ganchos para o cabelo e queremos que a senhora seja uma das primeiras a experimentar.
– Mmmm. São grátis?
– Absolutamente grátis. Só há algumas condições. A senhora precisa usá-los a todo o tempo. Menos no banho, porque se molhar estraga o
transmis… Estraga o gancho.
– E se eu quiser comprar depois de experimentar, posso?
– Pode.
– Quanto custa cada um?
– Dez mil Euros.
– É um pouco salgado…
A velhinha está enganchada o tempo inteiro, menos no banho e todas as suas reacções estão a ser gravadas e mandadas para Lisboa, para análise.
Houve um momento de suspense quando a velhinha, em conversa com um gato, expressou algumas dúvidas sobre o Novo Banco. Mas as dúvidas passaram e a velhinha voltou a acreditar na versão oficial. A sua pulsação é firme. A sua digestão é boa. Fora uma pequena artrite, nada ameaça a sua saúde.
Ainda temos algum tempo antes do caos.
Adaptação da crónica “O grampo da velhinha”, de Luís Fernando Veríssimo