O termo palhaço, que se utiliza em português, tem origem na palavra italiana paglia, que nessa língua significa palha. Ora, era justo esse o material que os comediantes, vestidos com o tecido dos colchões de palha, utilizavam para encher as suas barrigas e mostrar os “palhaços” que eram.
Só que o ser palhaço nem sempre é ser um palhaço.
A famosa área ‘Vesti la giubba’ da ópera ‘Pagliacci’ de Ruggero Leoncavallo, em 1892, mostra bem em como o sofrimento interior deve ser transformado numa falsa alegria exterior.
A personagem de Canio, o palhaço acaba de saber que a sua mulher o traiu, mas ainda assim se veste e maquilha para a sua plateia, tem que trabalhar. Olha-se no espelho e, frente ao seu reflexo diz a imortal passagem: “Ri-te Palhaço”.
De facto o palhaço, que na cultura Norte Americana se designa ‘clown’ tem uma maior abrangência, visto que a sua etimologia vem de ‘clod’, camponês, alguém de poucas posses, um simples néscio, um ignorante. Assim temos os ‘Hobo’, ‘Trumps’ e Bums’.
O musical ‘Easter Parade’ eternizou essa categoria de ‘palhaço’ com Fred Astaire e Judy Garland a fazer de dois ‘Swells‘ pobertanos fazendo-se passar por ricos.
Já no musical “A Little Night Music”, 1973, de Stephen Sondheim, no momento em que a personagem de Desiree Armfeldt reflecte sobre a sua meia idade e em como a sua vida de affairs por si passou sem alguma estabilidade, reencontra o homem por quem se apaixonou no passado. Ele está casado. Ela só. Canta para que venham os palhaços. Os seus palhaços são os néscios. Os ignorantes que nos rodeiam e tornam a vida passível de ser vivida.
Tal ocorre no enredo do ‘La vita è bella’ de 1997, em que a personagem de Roberto Benigni cria uma ficção da vida num campo de concentração. Não se mascara ou faz de palhaço num sentido estrito, mas faz da ilusão da ‘palhaçada’ a brincadeira que alivia o horror – para o seu filho; do que é sobreviver à Alemanha Nazi num campo da morte sendo Judeu.
Giosuè, o filho sobrevive enquanto o pai morre às mãos Nazis, o acto final de um palhaço.
Só que há palhaçadas e palhaçadas. E quando o que se diz não é o que se ouve, por vezes pode se correr o risco de errar.
E é justo isso o que se passou com a produção de Jerry Lewis em 1972, ‘The Day the Clown Cried’. Há um palhaço, na Alemanha Nazi, num campo de concentração.
O filme foi realizado e é absurdamente mau, ao ponto de ter sido deliberado por todos os envolvidos na sua produção, não exibi-lo publicamente enquanto estiverem membros da equipe vivos para sentir o impacto de tal palhaçada.
Por enquanto a única cópia existente está nos Cofres da Biblioteca do Congresso Americano, e só em 2025 será reavaliada o seu possível visionamento.
Colocar um comediante de topo num nefasto enredo em que um palhaço alemão, por falar mal de Hitler no contexto da Segunda Grande Guerra, para o poder ver entrar para um dos campos da morte e ser o cicerone assassino, cúmplice em animar os mais novos para os chuveiros da morte, é algo tão brutal como todo este atentado televisivo a que estamos a assistir diariamente.
Chegam por dia centenas de refugiados de guerra, vindos em condições deploráveis, crianças de colo, pais e mães separados, alguns que mal se sabe como sobreviveram. Chocam com a realidade deste reflexo. Desta verdadeira palhaçada. de um mundo que se faz de uma maquilhagem onde o espectáculo tem de continuar apesar de tudo, mas na verdade nada faz com que continue.
Vivemos alienados em speakers que têm pronuncias atrozes em vez de nos focarmos nos maus políticos que temos. Nas políticas de pacote que nos servem. Na ideia que, de morta e matada, não virá gloriosa e pronta gritar: Ri-te Palhaço.
Porque no final, palhaços somos todos nós.
O trabalho torna-nos livres, verdade?