Fala-se em demagogia política, em agressividade arguta, na incompreensão verbal ou simples ignorância dicotómica que o cidadão eleitor tem quando argumenta na sua expressão primitiva sobre aquilo que os políticos na praça nos servem como um condensado requentado que outro alguém já andou a remendar dos restos daquilo que lhe chegou pré-fabricado de um lugar não especificado.
A demagogia é parte do léxico político, assim como alguma inteligência na forma como a agressividade deve, e pode, ser usada, já a ignorância bipartidarizante que aflige os eleitores é-o por uma simples razão: etiqueta.
Os livros de etiqueta ensinam – ou tentam fazer esse trabalho; de adestrar o que uma base de educação não permitiu que as pessoas tivessem de berço. Ao se centrarem no gesticular da contenção física, ensinando como se pegar num garfo, nesse talher que tem designações afins, de copo de cristal a vidro rasca, passando por nós de gravata, laço, fivela, cintos e ligas, botões e abotoaduras, chapéus e meias, envolve também o predicado contundente daquilo que se deve abordar no raciocínio elaborado do que se pode (deve) conversar entre um grupo de convivas.
Não é de bom tom, diz essa boa etiqueta – ao estilo de perdidos e achados num terminal de mercadoria extraviada – falar sobre três temas fundamentais: política, religião e dinheiro.
Sobre dinheiro não se fala, não se vá ter mais que a pessoa com quem se conversa, ou em oposição, ficar-se deslumbrado com a riqueza alheia.
Sobre religião não se diz nem um credo, pois o credo alheio pode não ser o nosso e nesse facto, desde logo, a blasfémia é o contingente seguro para sermos hereges em causa própria.
E sobre política, nem dialogar. Se não és a favor do meu partido, logo és contra. Silogismo mais demarcado não há, e assim, se não és a favor, és contra. Tudo dito: o silêncio é de ouro.
A etiqueta é uma treta.
O facto da maioria das pessoas se coibir de conversar entre elas, com alguma seriedade, sobre estes três temas – e porque não juntar a questão sexual lá pelo meio?; faz com que, chegados agora à época de campanha, as dúvidas, os argumentos, a diferença entre candidatos, não passe dessa verborreia de sound bytes idióticos sobre quem chamou a Troika, se o país está melhor ou pior em 2015 do que em 2011, e claro, a fractura imbecil da definição de plafonamento da Segurança Social.
Pode-se conversar sobre dinheiro, fazendo alusões sobre a economia em que se vive e os cenários que se nos apresentam, o impacto que os mercados internacionais têm na vida do dia-a-dia.
Estudar e argumentar um pouco sobre o que significa a religião e os princípios que a religião católica – dominante na nossa cultura; nos têm para ensinar e onde divergem frente à condição laica do nosso Estado.
Falar sobre as nossas posições políticas, não como uma doença viral, pertença ideológica, mas como algo em que, partindo do estudo das diferentes propostas e linhas de pensamento que os diferentes partidos nos apresentam, estabelecer uma coerência sobre o que nos parece ser um melhor caminho a eleger.
Ser demagógico, seguindo uma cartilha de imposição, não leva a um debate esclarecedor.
A Troika foi chamada pelo Partido Socialista. Ocorre em consequência do chumbo do PEC IV, chumbado por todos os partidos da Assembleia, por compreenderem a insustentabilidade de Portugal frente aos mercados externos nesse momento, e o realismo da necessidade de ajuda externa.
O PSD tirou partido da situação, assim como todos os outros partidos, tanto quanto o actual Secretário Geral do PS está a tirar partido do aumento da dívida pública Portuguesa.
O crescimento Português foi negativo por uma simples questão: o empréstimo contraído foi tremendamente grande, e por forma a que o plano de resgate não superasse o período de uma legislatura, o Governo eleito optou por “ser mais Troikista que a Troika“, sendo que o país empobreceu mais do que se pedia, queria, ou supunha.
Em oposição, olhando para o caso Grego, não houve plano de ajustamento, um segundo ou terceiro resgate.
A Segurança Social, o seu problema, por mais invenções que a situação ou oposição nos façam crer, tem um real problema de insustentabilidade derivado de uma balança demográfica desequilibrada. Não só há uma desproporção de novas gerações a descontar para manter a sustentabilidade das pensões, como as pessoas mais velhas vivem até mais tarde.
Se na década de setenta a esperança média de vida era até aos 65 anos, ou seja, vivia-se entre 4 a 5 anos depois de se reformar, hoje em dia a esperança média de vida aumentou até aos 80, mais 10 anos de pensões a serem pagas quando a idade de reforma não acompanhou essa diferença total de 15 anos.
O plafonamento, que vem da palavra plafond, não é mais que um tecto máximo.
Tal como nos cartões de crédito.
Significa que, os descontos feitos para a Segurança Social – num tecto máximo de ‘x’ salários ficam ao cuidado e garantia do Estado, sendo que tudo o que seja acima disso, escolhemos como aplicar – num fundo de pensões privado, num Plano Poupança Reforma, etc; por forma a retirar ao Estado duas coisas: pensões demasiado elevadas que desequilibrem a balança de descontos, e por outro lado, coloquem as pessoas como as principais responsáveis pelos seus descontos, reorganizando uma confusa máquina Estatal.
Não se propõe, como em nenhuma proposta de oposição, resolver um problema, de forma real, a longo prazo. Reparte responsabilidades entre contribuinte e Estado como antes não ocorria, pois remete ao privado a escolha – obviamente acima de um valor que a maioria da população não terá como escolha imediata; do que fazer com os seus descontos.
Pode ser que, numa fugaz tentativa de acabar com a iniquidade, traga uma maior consciência individual, ainda que de desigualdade de opção.
Mas acho que devo parar por aqui. Ao que parece diz a etiqueta que não é de bom tom falar de temas susceptíveis de causar incómodo…
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