Sou de fanatismos, alguns, contidos, mesurados, dentro da minha cabeça. Aprisionado, com conta, peso e medida. Sou discreto. (acho)
Mas tenho assim umas devoções. Vivo o papel das pessoas a quem me entrego nas palavras que escrevo. Torno-me seu ‘ghost writer’. E de Judy sou fã.
Vejo e revejo a genialidade de uma vida destruída, acabada na juventude das drogas que a consomem. De tudo aquilo que a fez ser um astro que se soube tornar uma estrela cadente.
Para quem viu ‘A Star is Born’ (Nasce uma Estrela) de 1954, vê nele a ascensão e queda de Garland. Está lá tudo, a meio da sua carreira, num prenúncio anunciado de morte.
Vivi esses momentos finais. Estamos em Março de 1969, Copenhaga, na última apresentação de Judy. Ela está pronta. Estamos nós?
Judy
Bebia pra esquecer os instantes decisivos. Não queria ter que fazer escolhas. Queria tudo como sempre fora, igual na mesmice dos dias que passam.
Era aquele o último gole de álcool. Prometia-o a mim mesma. Não me ia acabar entre barbitúricos e estimulantes ou álcool. Tinha de ter mais força pra fazer da voz projecção da alma. Afinal de contas eu era a representação desse desejo latente na mente de outros tantos. Os meus fãs dependiam disso, de mim e desse amor travesso que compartilhávamos.
Por favor, é só mais um comprimido, meio comprimido. Diluído em gin. Só mais um, prometo. Sou capaz. Prometo.
Vou ser superior a tudo. As gravações que se danem, com quem eles pensam que estão a lidar? Sou a Judy, a única e inimitável Garland. Ficam ricos às minhas custas e depois deixam-me nesta abjecta poça de esterco infindável que é a minha vida.
Comprimidos. Barbitol e Seconal, cocktail expresso pro sucesso. Terceiro divórcio? E daí? Aqueles filhos da puta nunca me amaram, só me queriam como ticket refeição fácil. Era eu quem dava ao litro para que todos ganhassem o seu pão diário! E ainda pra mais aquele cabrão tentou a custódia dos meus filhos. Meus filhos, carregados no meu ventre, por mim paridos.
Filhos da mãe ingratos. E eu aqui de frasco na mão, olhando o rótulo; Frances Gumm. Era ela o puro reflexo do que fui um dia. Cafetina a minha mãe que me prostituiu neste mundo dos sonhos irreais de facilitismo.
É só mais um gole, um comprimido. Só mais um instante. Mais uma noite descansada. Só mais uma.
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