Num repente a Sociedade parece se rever.
Não bastava a Embaixada Alemã no Brasil ter que desmentir quem nega o Holocausto, assistir ao que considero o triste espectáculo (embora mais que justificado) de Anderson Cooper demonstrar a falsidade das fotos que o filho de Trump publicou numa cruel insinuação de que o jornalista da CNN estaria a dramatizar a passagem do furacão Florence – misturado na negação sobre o massacre de Sandy Hook -, como surge uma confirmação a ser desmentida (a sério?) de que o Egas e o Becas seriam (não sao?) um casal homossexual.
Veja-se, negacionistas são umas bestas e que o filho de um idiota mereça o prime time para o desmentido do que claramente é uma teoria da conspiração barata parece-me excessivo, mas entrar na sexualidade dos marretas que definem a minha infância toca num ponto excessivo.
O Egas e o Becas são ou não um casal..?
Mark Saltzman que escreve os diálogos de ambos diz que sim, já Frank Oz que manipulou Becas diz não!? Se um apenas lhes colocou palavras na boca nos últimos 15 anos, o outro deu-lhe expressão e movimento desde a sua origem.
Mas será que esta revisão estórica tem alguma relevância? Não se trata de um revisionismo quase negacionista sobre uma verdade que gerações como eu construíram e projectaram na sua infância?
Tem, porque tal como o real revisionismo histórico, tenta reescrever algo que existe e facilmente se comprova como falso.
Egas e Becas, ou Bert and Ernie (ao contrário), são os mais antigos e permanentes personagens da Rua Sésamo, tendo sido sempre definidos como dois amigos que viviam juntos e dividiam um quarto. Se estranheza nos assistisse, recentemente foi dito que têm 6 e 7 anos respectivamente, colocando a suspeita de que de irmãos se tratam no topo das nossas memórias. Mas, se a realidade não bastasse para definir o que se tornou mito, logo na primeira temporada da série Norte Americana, a personagem Bert/Becas faz uma serenada romântica à actriz Connie Stevens, uma garantia que ao menos uma das partes não se sente atraído sexualmente pela outra.
Mas sabem? É-me irrelevante que o Egas e o Becas sejam um casal, irmãos ou amigos. Sei que são parte edificante da minha memória infanto-juvenil e, enquanto homossexual, ter dois personagens que vivem juntos sem que a definição sexual dos mesmos fosse uma qualquer imposição foi um garante e referente de respeito e liberdade futuras.
Só que tal como no revisionismo histórico, tudo parece irrelevante, e lembrar que se tratam de bonecos de pano onde a orientação sexual é algo inexistente numa narrativa maior apenas adensa uma trama onde a teoria de conspiração cresce. A Sociedade prefere a ocorrência marginal ao facto concreto.
Afirmar a sexualidade do Egas e Becas está ao nível de dizer que o tiroteio de Sandy Hook foi uma encenação ou que Anderson Cooper dramatizou a passagem do furacão Florence quando na verdade o que se via era a sua cobertura do furacão Ike em 2008.
Pior só mesmo quem considera que o Holocausto é mera ficção.
Creio que o que é bastante revelador é viver numa Sociedade onde esse tema sequer entre em escrutínio público com a relevância que tem nas redes sociais.
É nessas expressões de uma Liberdade selvagem, assente em princípios de especulação adulterada, que reside o acto falho da Democratização. Crendice onde o Revisionismo Estórico escreve a História.
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