Esta semana, no frio atmosférico que se faz sentir, fui ao armário das heranças familiares e busquei uma antiga estola de peles, mais especificamente um cachecol feito de pele de Marta, daqueles que segundo os cânones do politicamente correcto – e com os quais eu estou de acordo – não se devem matar animais selvagens para produzir peças em peles.
Ainda assim, e porque o frio se fazia abater sobre mim e uma pele guardada no armário de nada serve e em nada vai alterar a vida de um animal que sobre esta Terra caminhou e encontrou – com grande probabilidade – uma morte cruel décadas antes de sequer eu ter sido pensar em ser concebido, dediquei-lhe essa homenagem fúnebre e fiz uso da sua pele ao me proteger de dito frio.

Fur Coat.jpg

O facto é que o brilho da estola é incomparável com o de qualquer reprodução e desde logo, chegando ao trabalho, as perguntas acerca da veracidade me eram colocadas. Comprovativo feito em tom desta minha maneira politicamente incorrecta de ser surgiu-me como rebate a resposta em tom de farpa afiada:
Mas a nossa preocupação acerca da violência contra animais irracionais não é tão ou mais hipócrita quanto seguirmos a comprar roupas manufacturadas sob exploração Humana?

Evidente que o pensamento assim parece de pequena dimensão, tacanho e menor, mas a verdade dos factos é que o animal ao qual eu presto homenagem fazendo dele uso para me aquecer já não volta e o seu uso não faz de mim um activo comprador de peles ou morte de animais em risco de extinção ou maltrato animal. Já a compra de roupa barata em produção em massa, estilo grandes cadeias multimarca sob uma égide empresarial única, sim.

Esta sim é uma hipocrisia relevante da qual a Sociedade contemporânea faz parte e se diverte na sua culposa omissão.
Exploramo-nos sucessivamente pelo produto mais barato, dando azo a que depois nós também reclamemos que a nós nos paguem pouco. E nisso somos nós a próxima estola de peles a ser futuramente usada, olhada como algo que, mesmo tendo sofrido, já não sofre mais.

Nota:
Imagem da Série ‘Sexo e a Cidade’, cena ‘Fur is a Murder’.

2 Comments

  1. Como sempre sua argúcia em comentar questões referentes ao “politicamente correto” é de grande sagacidade. Em vários textos seus você aponta esta premissa, do quanto a hipocrisia vem disfarçada em discursos que em tese não soariam conservadores, mas que por trás de si trazem a marca do mundo capitalista onde a exploração impera de outras formas. Fechamos os olhos para o sofrimento dos seres humanos e ao fazer isso, deixamos de nos ver a nós próprios, mesmo que diante de um espelho.

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    1. A verdade é que o criticar por criticar, vago e vazio, apenas nos faz complacentes do umbigismo unilateral que assoberba a Sociedade actual.
      Felizmente nunca fui muito correcto, muito menos político. Já o ser conservador, estranhamente sou em valores de respeito mútuo prático que todos deveriam compreender face à realidade que nos rodeia. 😉
      Muito obrigado pelas leituras e comentários! ❤

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